domingo, 23 de janeiro de 2011

'G-20 vai passar por teste do pós-crise'

Carlos Cozendey
O Estado de S. Paulo

No momento em que os produtos básicos voltam a ser o principal componente das exportações brasileiras após mais de 30 anos de liderança dos industrializados, o movimento de alta dos preços das commodities acendeu a luz de alerta para as principais economias do mundo e entrará para valer na pauta de discussões do G-20 em 2011.

Segundo o novo secretário de assuntos internacionais do Ministério da Fazenda, Carlos Márcio Cozendey, este será um dos três pilares de debates neste ano do fórum, que congrega as 20 maiores economias do mundo.

Qual vai ser a linha de trabalho do senhor?
Quais foram as orientações passadas pelo ministro Guido Mantega? Temos três áreas de atuação: a parte de crédito à exportação, a parte mais comercial (defesa comercial, Mercosul, etc), e a parte que engloba os fóruns internacionais (como G-20, Banco Mundial e FMI). Claro que a agenda internacional cresceu muito nesse pilar do G-20. Então, politicamente o G-20 é o tema mais importante, mas a agenda é ampla.

O G-20 é o fórum adequado para buscar organizar a economia mundial?
O G-20 é muito particular porque é um fórum informal ou seja, não produz tratados, acordos, normas em si, mas tem uma liderança importante para outras instituições. Nesse sentido, a relevância do G20 é continuamente testada, depende de que você esteja continuamente produzindo mandatos e discussões relevantes e isso depois gere algum tipo de resultado. Tem alguns riscos na atuação do G20. Um deles é se estender demais e começar a tratar de outros assuntos que não são tão imediatos e aí se dirigir mais para um perfil de fórum de discussão, que fugiria da característica para a qual foi criado. Além disso, com o fim da crise e o fim da urgência das questões pode ser mais difícil tomar essas decisões.

E como o grupo deve funcionar a partir de agora?
Você vai passar de uma fase muito centrada na crise a na solução dos problemas para uma fase de mais institucionalização. Vai ser um teste para saber funciona em tempos normais como um fórum para regulação e para discutir questões de médio e longo prazo, como o que a França está sugerindo, que é a discussão do sistema monetário internacional. Uma" discussão como essa pode entrar em um caminho de se adotar ajustes ou pode derivar para algo muito acadêmica que acabe não gerando efeito.
As discussões no G20 pós-crise não serão mais difíceis, uma vez que os temas que surgem tendem a gerar disputas e polarização entre os países membros?
Você  tem transformações importantes na economia internacional, com a emergência da China e da Ásia e mudanças nos rankings econômicos. A mudança está acontecendo e, nesse sentido, ter um fórum como o G20 é uma vantagem. Organiza as discussões e alerta para os problemas logo que surgem. Com a chegada da França à presidência do G-20, o grupo deve dar continuidade às discussões sobre regulação financeira, debater a volatilidade dos preços agrícolas e avançar o debate sobre o sistema monetário internacional.

Qual o grau de preocupação com a questão da alta dos preços das commodities e o que pode ser feito para minimizar isso?
Essa é uma discussão que ainda está em fase de diagnóstico. O pano de fundo é uma mudança estrutural, que é a saída da pobreza de parcela importante da população mundial e a urbanização da Ásia, que faz com que a demanda sobre alimentos e matérias primas aumente. Agora, há uma série de outros fatores no momento que contribuem para isso. São questões conjunturais de secas e enchentes que afetam algumas commodities.

Esse aumento das exportações de produtos básicos, que pela primeira vez desde 1978 superaram as vendas de industrializados, não é negativo para o País?
É difícil brigar com a realidade. É claro que a tendência é uma fonte de preocupação. Mas o Brasil não vai deixar de ser competitivo em produtos baseados em recursos naturais e a demanda mundial é muito forte. O desafio é aproveitar isso no desenvolvimento interno. O Brasil tem uma situação muito particular em relação a outros países porque ao mesmo tempo em que é forte em recursos naturais, tem uma indústria diversificada. Em qualquer mudança na estrutura da competitividade internacional, sempre vai ter algum setor no Brasil que vai ser afetado. O objetivo não é só exportar a carne, é produzir o chip que faz a rastreabilidade, a logística que controla o boi, a estrada e tudo que vem junto, todos os serviços e tecnologia. Ou seja, a partir de uma capacidade que é natural, você construir o desenvolvimento .

O mundo esta ficando dependente da China?

O mundo é interdependente. As pessoas falam que o Brasil tem uma participação pequena no comércio mundial, 1,2% no último ano, só que quem tem mais, que é a China, tem 9%. No pós-guerra os EUA tinham de 30% a 40%. O comércio internacional hoje é muito distribuído, as cadeias produtivas são muito fracionadas.

* Carlos Márcio Bicalho Cozendey, de 47 anos, foi um dos principais negociadores do contencioso do algodão contra os EUA. O diplomata, formado em economia na UFRJ, chefiou nos três últimos anos o Departamento Econômico do Ministério de Relações Exteriores, sendo responsável direto pela atuação do País na OMC.
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