segunda-feira, 24 de janeiro de 2011

Soluções para evitar outra tragédia

Veja 


Sempre que a fúria das águas deixa um rastro de destruição e mortes, o roteiro se,guido pelos governantes brasileiros é muito semelhante. Proferem-se frases de efeito, adotam-se medidas paliativas, mas as grandes questões permanecem negligenciadas. O cenário de devastação provocado pela tempestade que desabou sobre a Região Serrana do Rio de Janeiro há duas semanas, ceifando 785 vidas segundo a contagem feita até a última sexta-feira, escancarou as velhas fragilidades - ocupação irregular de encostas, leniência na fiscalização, falta de investimentos em tecnologia e infraestrutura - e o completo despreparo para lidar com uma catástrofe de tal magnitude. Todos os sistemas eficientes de prevenção de desastres do mundo foram concebidos depois, de eventos como esse. Que a tragédia da serra fluminense sirva para dar, enfim, o sentido de urgência para a tarefa que vem sendo irresponsavelmente postergada no Brasil. Situação que o secretário de Pesquisa e Desenvolvimento do Ministério da Ciência e Tecnologia, Luiz Antonio Barreto, resumiu em sessão no Congresso Nacional, na semana passada: "Falamos muito, mas não fizemos nada"".
Não há que inventar a roda quanto ao caminho a ser trilhado. A experiência internacional mostra que, com a adoção disciplinada de um conjunto de medidas - algumas mais complexas e caras;, outras até bastante simples -, é possível reduzir o número de mortos em desastres climáticos a níveis mínimos. As oito soluções propostas a seguir são consensuais para um grupo de ,especialistas ouvidos por VEJA, brasileiros e estrangeiros, que já puderam aferir sua eficácia em áreas com características semelhantes às da serra fluminense do estado australiano de Queensland. Ali, um em cada 100 000 habitantes morreu em razão da última tempestade. A proporção registrada na serra do Rio é de noventa vezes esse número. Não dá para esperar a próxima temporada de chuvas para agir.

1 - Mapear as áreas de risco

Existe um consenso de que o primeiro e o mais básico passo para a prevenção de tragédias desencadeadas por desastres naturais é traçar um retrato das áreas mais vulneráveis de cada cidade - fruto ,de um levantamento topográfico de altíssima precisão e de uma minuciosa pesquisa de campo empreendida por geólogos. Só com isso é possível saber onde as pessoas podem morar em segurança e de onde elas devem sair. "Trata-se de instrumento de primeira necessidade para minimizar os riscos", afirma o geólogo Willy Lacerda, da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Pois nenhuma das cidades da serra fluminense varridas de muitas catástrofes, passou a contar com um. Para se ter uma ideia do atraso brasileiro, Hong Kong fez o mesmo quatro décadas atrás - e tornou-se, com a ajuda da medida, caso exemplar de prevenção aos estragos das chuvas.

2 - Fiscalizar a ocupação irregular do solo

O Código Florestal proíbe construções em topo de morros, em encostas com inclinação superior a 45 graus e a menos de 30 metros de distância" do leito dos rios - só que é amplamente desrespeitado no território nacional. O engenheiro José Alexandre Almeida, secretário de Planejamento de Teresópolis, uma das cidades fluminenses vitimadas pelo aguaceiro, dá o tom de como tais regras são encaradas - oficialmente: "Sabe, não podemos ser muito rigorosos na cobrança das normas de ocupação do solo. Do contrário, 80% dos habitantes teriam de deixar sua casa". É preciso que deixem. Centenas de mortes ocorreram justamente porque tanta gente não obedecia às normas, tanto pobres como ricos. Falta uma fiscalização efetiva, o que passa por uma completa mudança de cultura e métodos nas repartições públicas responsáveis. A tragédia da semana retrasada mostra que não nos resta outra opção.

3 - Remoções em áreas de risco

A cada nova tragédia, a imagem da água arrastando barracos morro abaixo lança luz sobre a ocupação irregular de encostas prática que conta muitas vezes com o incentivo de políticos que fazem vista grossa à permanência das casas em troca de votos. Ninguém de bom-senso discorda de que quem vive nesses desfiladeiros deve ser retirado de lá pelo poder público, que precisa contar com uma política habitacional capaz de Ihes prover um teto em local com infraestrutura básica. Remover as pessoas de sua casa não é fácil. A maioria resiste, mesmo correndo flagrante risco de vida - algo que a cidade de Blumenau tem conseguido minorar (veja o quadro abaixo). Não raro, os moradores obtêm até amparo legal para ficar. A experiência internacional mostra que nenhuma solução é tão eficaz na prevenção a tragédias em regiões de topografia acidentada quanto as remoções. Infelizmente, na serra fluminense elas são a exceção.

4 - Contenção de encostas

0 grupo de arquitetos e engenheiros ouvido por VEJA é unânime em afirmar que, caso na serra fluminense houvesse obras de contenção de encostas em extensão e qualidade suficientes, os deslizamentos teriam sido minimizados - poupando centenas de vidas. Alegam as autoridades que custa caro. De fato. Para se ter uma ideia, o preço do metro quadrado da chamada cortina atirantada - enormes placas de concreto que sustentam até 100 toneladas, indicadas para dar estabilidade a relevos como os da serra do Rio equivale ao valor do metro de pavimentação de uma estrada nova. Em outros casos, de morros menores suscetíveis a erosão, o melhor é utilizar o gabião, que faz a sustentação por meio de aramados. Também é caro. Dada a eficácia dessas obras da engenharia, no entanto, não resta duvida de que o dinheiro público, em geral tão mal gasto, encontraria aí uma boa aplicação.

Uma cortina de concreto

Como funciona a chamada cortina atirantada, uma das soluções mais eficazes para conter deslizamentos de terra em grandes maciços como o da Região Serrana do Rio de Janeiro.

 1 - Tiras de aço resistentes a corrosão são afixadas em um ponto estável no interior do morro.

2 - Imobilizadas pelo cimento de um lado e pela terra firme do maciço de outro, as tiras mantêm a estabilidade na parte interna do relevo - que é justamente por onde a erosão começa, no caso dos grandes maciços.

Casas firmes no chão

Uma resistente teia de estacas fincadas a uma profundidade de até 25 metros dá sustentação a casas construídas sobre terrenos inclinados e geologicamente instáveis - e minimiza o risco de elas serem arrastadas por avalanches como o da semana passada.

São usadas em média vinte estacas para uma casa 200 metros quadrados.

5 - Construções mais seguras

Criar  regras para a construção de casas e prédios é atribuição de cada município brasileiro. Espantosamente, na Região Serrana do Rio não existem leis a respeito. A maioria dos alvarás é concedida ali sem que se verifique sequer se a estrutura da edificação é capaz de suportar pressões ou o deslizamento do solo. Faltam normas para cobrar o essencial - que as casas fincadas em terrenos íngremes e instáveis sejam erguidas com base em sondagens minimamente confiáveis e com fundações que lhes proporcionem estabilidade. De novo, custa caro: em alguns casos, o preço de uma funda;ão chega a ser equivalente ao de todo o estante da obra. Para universalizar a prátia, a alternativa adotada em regiões vulneráveis a terremotos nos Estados Unidos e no Japão foi trocar alvenaria por gesso na construção das casas. A estrutura fica em torno de um sexto mais leve, demandando fundações também mais simples - que custam até a metade do preço.

6 - Sistema eficaz de radares

Todos concordam que a ausência no Brasil de um sistema integrado de radares de alta precisão aumenta a vulnerabilidade diante de fenômenos como a tempestade de duas
semanas atrás. Na ocasião, o radar usado  pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espa-
ciais (Inpe), fincado na serra, estava quebrado. Apesar de existir um equipamento  similar no Rio, que f1agrou as chuvas, as autoridades dos municípios que viriam a ser atingidos não foram devidamente alertadas. É preciso investir para ter algo como os Estados Unidos, onde há uma rede de 155 radares interligados – todos com avançada tecnologia Doppler, que permite estimar a direção e a velocidade dos ventos antevendo com precisão o local e a intensidade das precipitações (veja acima). O Brasil tem apenas vinte desses radares em todo o território nacional, um sétimo do que possuem os americanos. Seria necessário contar com pelo  menos o dobro para que a cobertura fosse considerada razoável.

7 - Alertas de emergência

Faltam às cidades serranas – assim como à maioria dos municípios brasileiros – sistemas de alarmes para avisar a população em situações de perigo. As pessoas que moram em áreas de risco podem assim deixar sua casa a tempo. Não é tecnologia sofisticada nem cara. Para se ter uma ideia, muitos países instalam sirenes nas áreas mais vulneráveis, exemplo que a prefeitura do Rio começou a replicar nas favelas cariocas. Em Areal, município atingido pela torrentes de duas semanas atrás, aferiu-se a eficácia de algo tão simples. Ciente da chegada da  chuva, o prefeito usou um carro de som para recomendar aos moradores em áreas de risco que deixassem suas casas. Ninguém morreu. Quanto mais treinada a população, melhores os resultados. Em Los Angeles e em Tóquio, aprende-se como proceder em caso de terremoto – até na escola. Exemplos a ser seguidos.


8 - Coordenação de ações

Para oferecer resposta imediata depois de uma tragédia já consumada, é necessário que os principais órgãos públicos da cidade já estejam previamente integrados e obedeçam a protocolos estabelecidos para situações de emergência. Ao ser acionada, cada equipe precisa saber exatamente o que fazer de acordo com a natureza do problema, obedecendo a um comando único. Em algumas das principais metrópoles do mundo, como Madri e  Nova York, funciona assim. O rio de Janeiro acaba de montar um sistema semelhante, conectando trinta órgãos que prestam serviços públicos – boa iniciativa cuja eficácia precisa ser testada numa crise. É inédito no Brasil. O que predomina nesse campo é o completo improviso, como ocorreu no último dia 14. Ali se viu um exemplo de solidariedade das pessoas comuns – e um show de incompetência por parte das autoridades.
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