HÉLIO SCHWARTSMAN
FOLHA DE SÃO PAULO
SÃO PAULO - Há algo de indigno na demissão de Pedro Abramovay da Secretaria Nacional de Políticas Sobre Drogas. Ao que consta, ele perdeu o cargo por ter defendido o fim da prisão para pequenos traficantes. Pode parecer uma mudança radical, mas a proposta do ex-secretário era apenas consagrar num
projeto de lei entendimento do Supremo que respalda o uso de penas alternativas para a lei de drogas. Sem demérito ao pretório excelso, o STF, não é bem uma célula revolucionária. O Judiciário é (ou deveria ser) o poder essencialmente conservador da República.
É aí, no "essencialmente", que reside o problema. Por mais que queiramos analisar uma questão de modo racional, esbarramos no essencialismo inato de nossas mentes: estamos sempre em busca de definições que encerrariam a natureza secreta das coisas.
Há aí várias implicações. De um lado, isso nos leva, por exemplo, a ser observadores detalhistas, que tentam ler em pistas externas a verdadeira essência dos objetos. Outros subprodutos são o prazer que extraímos de jogos e da arte.
Só que o essencialismo também nos faz acreditar em deuses e na astrologia e abraçar teses maniqueístas: um traficante é alguém que participa do mal e deve, portanto, ser atirado na cadeia.
O ponto é que essas categorias essenciais estão em nossas cabeças, mas não necessariamente no mundo. A natureza prefere o gradualismo. O sujeito que vende um pouco de droga para sustentar sua dependência é traficante ou viciado?
E o que, por amizade, oferece cocaína a um conhecido?
Aqui, ou operamos com categorias mais flexíveis, ou vamos lotar nossas cadeias sem resultados no controle das drogas.
Dilma e o ministro José Eduardo Cardozo conhecem o problema. Lamentavelmente, trocaram o essencialismo ligeiramente libertário da esquerda pelo essencialismo puritano de seus novos aliados políticos.
O nome desse processo é oportunismo.
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