segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

Caso Battisti, questão de somenos?

Paulo Brossard

Ainda não se passou um mês do termo do maior e melhor governo da história do Brasil, segundo a versão de seu protagonista, assoalhada aos quatro ventos, e sua sucessora continua a ter de digerir capítulos indigestos da herança recebida.

O caso da extradição do italiano Battisti é um deles e não é dos menos expressivos. Curiosamente, o presidente expirante aguardou até o último dia de seu mandato para, louvando-se em parecer da Advocacia-Geral da União, e com base nele, negar a extradição. Nesse entretempo, não cessaram manifestações de entidades de alta responsabilidade. Uma delas do Parlamento Europeu... outra do chefe de Estado da República Italiana dirigida à presidente da República do Brasil.

Não quero e não devo rediscutir teses que o Supremo Tribunal Federal já enfrentou, decidiu, e que poderá ter de voltar a pronunciar-se à vista e consequência do conflito arquitetado, mas posso e devo fazê-lo como cidadão e como estudante de temas jurídicos, a fim de opinar acerca da singularidade da emergência; contudo desejo limitar o campo de apreciação aos seus termos mais singelos e objetivos.

Tendo sido encaminhado ao Supremo Tribunal Federal o pedido de extradição formulado pelo Estado italiano, processada a querela, a decisão derradeira seria da Corte Suprema, como se lê na Constituição, artigo 102, “compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente a guarda da Constituição cabendo-lhe: I – processar e julgar originariamente g) a extradição solicitada por Estado estrangeiro”. Foi o que se deu, tendo o Supremo Tribunal determinado que, quanto à entrega do extraditando, o presidente da República tinha obrigação de agir nos termos do tratado firmado entre o Brasil e a Itália.

Ora, tratando-se de competência originária e cabendo ao Tribunal Supremo processar e julgar a extradição, nele começa e termina o julgamento da extradição requerida, pois só a ele compete processar e julgar a extradição requerida. Em matéria de extradição, em lei alguma se reserva atribuição à Advocacia-Geral da União. De mais a mais, convém lembrar que o presidente da República não é parte do processo de extradição. Partes são o requerente e o extraditando.

Quando o ex-presidente, no último dia de seu mandato, praticamente “recorreu” da decisão do Supremo Tribunal Federal para um serviço de assessoramento do Poder Executivo, embora não houvesse recurso, na prática “cassou” o acórdão do Supremo Tribunal, prolatado em processo originário e portanto irrecorrível. Ainda mais, o então presidente da República deixou de observar o expresso na ementa do acórdão da extradição, aliás, transitado em julgado:

“(...) Obrigação apenas de agir nos termos do Tratado celebrado com o Estado requerente. (...) Decretada a extradição pelo Supremo Tribunal Federal, deve o Presidente da República observar os termos do Tratado celebrado com o Estado requerente, quanto à entrega do extraditando.”

Ainda mais, o Executivo atribuiu-se a prerrogativa de ignorar o julgamento do Supremo e, ignorando-o, a ele atribuir o caráter de mera opinião. Ora, o Supremo Tribunal Federal não dá opiniões a ninguém; sendo órgão máximo do Poder Judiciário, não lhe cabe emitir pareceres para fins acadêmicos, mas processar e julgar conclusivamente.

Para encerrar, se bem me lembro, em nenhuma das extradições requeridas, processadas e julgadas pelo Supremo Tribunal Federal, a douta Advocacia-Geral da União teve acesso. Esta parece-me a situação a que o país foi jogado, como se a questão fosse de somenos.

*Jurista, ministro aposentado do STF
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