O GLOBO
Jamais qualquer petista admitirá existir alguma "herança maldita" deixada para Dilma Rousseff. Muito menos, por óbvio, a presidente, ministra de Lula desde o primeiro mandato, grata por tudo que o ex-presidente fez para elegê-la, desde o momento em que decidiu colocá-la no cargo-chave à frente da Casa Civil, na parte final do primeiro mandato.
Mas, por sobre a vontade política e sentimentos humanos, há fatos, existe a História. Queiram ou não, contingências da administração anterior, vividas inclusive pela presidente, fizeram com que desabasse sobre os ombros de Dilma Rousseff uma série de pesados problemas gerados nos últimos oito anos. O mais evidente deles é o excessivo e imprevidente aquecimento da economia, causa do atual surto inflacionário e motor da ampliação do déficit externo. Já a inflação não dá alternativa ao BC a não ser o aumento dos juros, os quais, por sua vez, atraem mais divisas, valorizam ainda mais o real, e instalam um círculo infernal a ser cortado por uma eficaz e séria - como as circunstâncias requerem - política fiscal restritiva, anunciada mas ainda não explicada. Ao apertar o acelerador do crescimento com a clara intenção de ganhar as eleições de 2010, o governo passado deixou uma pressão sobre os preços a ser debelada.
Nesta imprescindível ação anti-inflacionária, o governo Dilma entra em colisão com outra das heranças que o espreitavam no Planalto no dia 1º: o aparato corporativo sindical, nos últimos tempos cevado por muito dinheiro público e sócio privilegiado do poder. A ele foram dadas as chaves do Ministério do Trabalho, incluindo as do cofre. A corporação sindical terminou presenteada com alguns milhões adicionais do imposto sindical, com o reconhecimento das centrais pelo Estado. Consumou-se, assim, a negação por parte de Lula de toda a pregação que fizera na ressurreição do movimento sindical, no final da década de 70, contra o modelo getulista de subordinação dos sindicatos ao Estado. Ele fez o oposto do que pregou. Fortaleceu o modelo de inspiração fascista.
Não se tem notícia de tanta influência sindicalista em Brasília desde o governo Jango - guardadas as diferenças históricas entre as épocas. Pois agora esta corporação decidiu testar os limites do governo Dilma, ao exigir um aumento real de gastos desastroso para a necessidade do retorno à responsabilidade fiscal.
Pode ser decidido nesta queda de braço, com um mês de novo governo, qual espaço de manobra terá Dilma Rousseff para conduzir a administração nos próximos três anos e onze meses. Até porque todas as suas acertadas promessas dependem do que acontecerá com as contas públicas, estranguladas por gastos crescentes de custeio: aumentar investimentos públicos na infraestrutura, apoiar a educação, conter a inflação. Os sindicatos querem rasgar a própria fórmula de aumento do salário mínimo pela qual se bateram (a inflação mais a evolução do PIB de dois anos atrás). Como a evolução do PIB foi negativa, querem esquecer a regra. Desejam ainda novo aumento real para aposentados que recebem benefício superior a um salário mínimo.
Meritórias reivindicações, mas as contas não fecham. A presidente não deve ceder aos sindicatos, abrindo mão de pontos vitais do programa de governo.
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