Antônio Claudio Mariz de Oliveira
O Estado de S.Paulo
Uma observação inicial: não se trata da violência inerente ao crime praticado pelo assaltante, pelo estuprador, pelo autor de latrocínio ou pelo homicida contumaz. Refiro-me a uma outra violência, à violência de quem não pratica crimes, à violência de quem não é violento, mas que em certas circunstâncias assume uma agressividade injustificada.
O objeto destas linhas é a violência provocada por motivos frívolos, insignificantes, banais, que revela uma maldade e uma insensibilidade assustadoras. Trata-se da resposta destrutiva, por vezes com alvo incerto e indefinido, a qualquer frustração, por mais insignificante que seja. Uma nota baixa na escola, o término de um namoro, uma discussão no trânsito, brigas em festas ou entre torcidas, as agressões contra minorias e tantos outros aterrorizantes exemplos de uma agressividade inaudita que chega às raias da perversidade.
A violência instalada no seio da sociedade reflete o desrespeito, a banalização e a absoluta desconsideração pela vida alheia, em ocorrências com envolvimento cada vez maior de jovens. Não são raros os casos de alunos que portam armas e as usam contra colegas ou professores, de jovens que agridem outros jovens dentro das escolas, o denominado bullying, de selvageria dos trotes e tantas outras manifestações de verdadeira crueldade que trazem para as relações sociais grande insegurança no presente e péssimas perspectivas para o futuro.
A questão da violência pela violência, da violência como imediata e irracional reação a alguma contrariedade, está aumentando a olhos vistos e adquirindo um perigoso caráter exemplar e contagiante, dando às pessoas a perigosa ideia de normalidade. No entanto, as suas causas ainda são pouco claras, quer por ser um fenômeno novo, quer porque não está na pauta das preocupações da própria sociedade e das autoridades, que só atentam para a criminalidade violenta comum e para a atribuída às organizações criminosas.
Que se entenda de pronto que a discussão a respeito dessa violência verdadeiramente patológica, que se alastra como epidemia, não pode, rigorosamente não pode, ser vista, examinada e discutida com os olhos míopes da repressão, como tradicionalmente se faz com relação à criminalidade em geral.
Com efeito, tem-se encarado o crime como um fenômeno inevitável, já posto e consolidado, em face do qual se exige a prisão como única resposta adequada e possível. Quer-se punir o crime cometido, mas nada se faz para evitar o seu cometimento.
Exatamente a cultura já sedimentada da repressão, como seu exclusivo instrumento, constitui um dos fatores responsáveis pelo insucesso do combate travado contra a criminalidade. Punições mais severas, criminalização de mais condutas, aumento do contingente policial, melhor armamento, mais eficácia para o aparelho policial, aprimoramento dos setores de inteligência e adoção da pena de morte, entre outros, são os temas em torno dos quais giram todo o discurso e toda a prática da luta empreendida contra a violência e contra o delito de um modo geral.
Espelho do pensamento dominante, ou razão desse mesmo pensamento, é a mídia, que ao teatralizar o crime transformou-o de tragédia que ele é em espetáculo que satisfaz os seus anseios de faturamento e de audiência. A televisão, como o mais eficiente instrumento de aculturação existente, deveria repensar o seu papel. Aliás, bastaria cumprir a missão que lhe foi atribuída pela Constituição federal, de atender às finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas e de respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família.
Embora de difícil verificação, algumas razões desse trágico fenômeno podem ser encontrados em algumas das visíveis características da sociedade atual: a intolerância, o egoísmo, o levar vantagem, a cobiça, a busca de prestígio e de sucesso estão na pauta dos interesses pessoais, em substituição a valores outros que aplainam e suavizam a jornada de cada qual em benefício do caminhar de todos.
A solidariedade, a complacência, o respeito pelo outro, a cordialidade, a amizade humanizam o homem, dando-lhe condições de viver e conviver digna e passivamente.
Esse quadro está a exigir inicialmente a atenção dos governos e da sociedade. O despertar dessa atenção deverá ocorrer por meio de alertas e de denúncias dos que têm olhos para ver o problema e com ele se preocupam.
Quanto à imprensa, é fundamental que ela paute a questão e a coloque como tema de editoriais, reportagens, entrevistas, matérias investigativas, criando, enfim, condições para que haja plena conscientização da existência de um gravíssimo problema que, se não for rápida e eficientemente atacado, poderá continuar a se alastrar e a minar de forma irreversível as bases do convívio interpessoal, trazendo maior insegurança e desarmonia às relações sociais.
Um esforço hercúleo deve ser desenvolvido para que se consiga, ao menos parcialmente, detectar as razões do fenômeno da violência sem causa e se procurem as soluções adequadas para pôr fim ou diminuir suas consequências Não é tarefa fácil nem cômoda, mas é o único caminho a ser percorrido para que possamos fazer prevalecer uma cultura social harmoniosa e pacífica.
Parece que necessitamos de um novo pacto de sociabilidade, um verdadeiro processo civilizatório, que eduque os mais jovens e reeduque os antigos. Estamos carentes de um choque de civilização e de sociabilidade. A celebração desse pacto deverá ocorrer sobre bases já conhecidas, mas hoje paulatinamente esquecidas, para reger, como já regeram, as relações interpessoais e sociais de um modo geral. Assim, educação, cultura, ética, moral, respeito pelo próximo, altruísmo deverão voltar a constituir todo um arcabouço que dá sentido à vida, fazendo com que desejemos ao próximo o que desejamos para nós e os nossos.
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