Marco Antonio Carvalho Teixeira
O Estado de S.Paulo
Completado já um mês da posse da presidente Dilma Rousseff, torna-se inevitável o surgimento de indagações sobre possíveis similaridades e diferenças entre o seu governo e o do antecessor. Proponho que se faça uma comparação com base em três diferentes aspectos: quanto ao estilo de se relacionar com a sociedade e a imprensa; com relação a alguns problemas e decisões tomadas para enfrentá-los; e aos desafios que se fizeram presentes no início dos dois governos.
Quanto à forma de se relacionar com a sociedade e a imprensa, a diferença é evidente. Lula tinha uma habilidade enorme para se fazer compreendido e, talvez por isso, ultrapassava os limites do bom senso quando resolvia dar pitos públicos na imprensa sempre que se sentia desconfortável por alguma crítica. Aliás, esse foi um dos principais pontos de desgaste no final do seu segundo mandato e que também acabou causando danos à imagem de sua candidata, uma vez que representantes de alguns setores disseminaram a ideia de que o lulismo representava um risco para a liberdade de opinião e que isso se estenderia ao governo seguinte caso o PT permanecesse na Presidência da República. Dilma chegou ao Planalto ainda aprendendo a se relacionar com a sociedade e com a imprensa. No discurso da vitória fez questão de desfazer o mal-estar com os meios de comunicação, ao enfatizar que seu governo teria como princípio a defesa da liberdade de opinião, reafirmando preferir "o barulho da imprensa livre ao silêncio das ditaduras".
A trajetória política percorrida por ambos pode ser uma das explicações para essa diferença de atitude. Talhado para a atividade política no meio sindical, em que o intenso uso da retórica e a relação direta com os trabalhadores são peças-chave para a sobrevivência do líder, Lula levou para a Presidência tais características. Não era incomum ele se misturar à multidão, para desespero de seus seguranças, a fim de cumprimentar pessoas. Improvisava discursos, além de recorrer a expressões muito comuns ao cotidiano para se fazer compreendido. Além disso, o ex-presidente já havia sido deputado federal, disputado uma eleição para o governo do Estado de São Paulo e três eleições presidenciais consecutivas.
De perfil técnico, Dilma disputou seu primeiro cargo eletivo apenas nas eleições presidenciais de 2010. Até então sua experiência pública se limitava a cargos de primeiro escalão na prefeitura de Porto Alegre, no governo do Rio Grande Sul e no próprio governo Lula. Portanto, ainda não tinha experimentado uma disputa eleitoral que a expusesse publicamente e exigisse dela habilidades de retórica e de relacionamento com os mais diferentes grupos sociais que formam a nossa sociedade. Diferente de Lula, sua trajetória prescindiu de uma relação direta com o grande público e o mais comum no seu cotidiano era conduzir discussões técnicas típicas dos cargos que ocupou. Seu perfil técnico pode explicar por que, em comparação com seu antecessor, suas aparições públicas neste início de governo têm sido muito tímidas.
Quando a comparação recai sobre decisões de governo, tanto as similaridades quanto algumas diferenças se fazem presentes, dependendo do tema que está sendo posto em questão. Nos campos das políticas econômica e social, até o presente momento não existem diferenças. Quando Dilma indicou Alexandre Tombini para presidir o Banco Central (BC), ela assegurou a autonomia de fato do BC e que a mudança de comando não poria em risco os princípios da política econômica de Lula, que se basearam na manutenção do regime de metas da inflação, no câmbio flutuante e na responsabilidade fiscal. Com relação às políticas sociais, a marca da continuidade é ainda mais evidente: o Programa Bolsa-Família, ações voltadas para o combate à pobreza por meio de diferentes iniciativas, incluindo as do PAC, programas como o ProUni e o Sisu, dentre outros, que são marcas vivas de seu antecessor, permanecem intactos e como vitrines na gestão Dilma Rousseff.
Algumas diferenças surgem de forma mais evidente na política externa. Recentemente, indagada sobre a questão dos direitos humanos, em entrevistas para o jornal The Washington Post e para a imprensa argentina, Dilma não apenas criticou a posição adotada pela diplomacia brasileira, no final do governo Lula, que se absteve de apoiar uma resolução da ONU condenando o Irã por violações aos direitos humanos, como também destacou a necessidade de protestar contra o que chamou de falhas do regime cubano nessa questão. Vale lembrar que Lula desenvolveu boas relações com o Irã e recebeu, mesmo diante de protestos de setores da sociedade brasileira e de parte da comunidade internacional, a visita oficial do presidente Mahmoud Ahmadinejad. Além disso, criticou prisioneiros políticos de Cuba, comparando-os a delinquentes, no momento em que estes entraram em greve de fome para pressionar por libertação.
Quanto aos desafios de início de governo, as similaridades permanecem. A gestão Dilma vem adotando o aumento da taxa Selic como o principal instrumento de controle da inflação. As reformas política, tributária e da Previdência despontam como prioritárias. Entretanto, com muito mais ênfase que o governo anterior, a presidente da República trouxe algumas questões como bandeiras. No seu discurso da vitória enfatizou que zelaria pela meritocracia no funcionalismo e pela excelência do serviço público, assim como também destacou que tratará sempre com transparência metas, resultados e dificuldades de seu governo. Se isso ocorrer, e ela conseguir manter os inegáveis ganhos sociais e econômicos da era Lula, deixará sua marca perante a sociedade brasileira, conseguindo assim se afirmar definitivamente como uma liderança política com projetos próprios.
CIENTISTA POLÍTICO, É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE GESTÃO PÚBLICA DA FGV-SP E PESQUISADOR DO CENTRO DE ESTUDOS EM ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO (CEAPG/FGV)
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