Clóvis Rossi
FOLHA DE SÃO PAULO
Hora de começar a olhar além da praça Tahrir, o epicentro da revolução em curso no Egito.
Antes, no entanto, é preciso reafirmar que não se trata de um levante dos famélicos do mundo, para citar a Internacional, mas de uma rebelião de classes médias, que podem sofrer, às vezes, mas não passam fome.
Se ainda houvesse alguma dúvida, vejamos o que diz um célebre jornalista egípcio, também blogueiro, Issandr El-Amrani: "A imensa maioria dos manifestantes são pacíficos, a maior parte saída da classe média" (extraído do blog "The Arabist").
Daí decorre que o grito não é por pão, mas por liberdade. Mesmo uma especialista em economia como Isobel Coleman, pesquisadora-sênior do Council on Foreign Relations, escreve:
"Muito se tem dito sobre as raízes econômicas das revoluções em andamento no Oriente Médio, e esse é certamente um fator significativo.
Mas o que vem sustentando os protestos é a exigência de liberdade. Os manifestantes egípcios têm focado singularmente suas demandas desde a primeira vez que foram às ruas em "fora Mubarak"".
Postas as premissas, fica claro que a única maneira de estabilizar a situação é abrir um processo de transição tão rápida quanto possível para a democracia.
Só assim evitar-se-ia o desfecho que o megainvestidor George Soros teme para o movimento no Egito: "As revoluções usualmente começam com entusiasmo e acabam em lágrimas".
Que haverá lágrimas, parece mais ou menos inevitável, na situação a que já se chegou.
Mas elas poderão ser relativamente poucas, ao menos a princípio, se o governo norte-americano -o único em condições de tentar conduzir o processo de transição- seguir o conselho de Soros:
"O presidente Obama pessoalmente e os Estados Unidos como país têm muito a ganhar se se adiantarem e se colocarem ao lado da demanda pública por dignidade e democracia. Isso ajudaria a reconstruir a liderança da América e remover uma prolongada fraqueza estrutural em nossas alianças, que decorre da associação com regimes impopulares e repressivos."Bingo.
Mas sejamos justos: não é nada fácil a condução do processo, se se levar em conta qual é a força política mais enraizada no Egito (a Irmandade Muçulmana) e a desconfiança que grupos islâmicos continuam despertando no Ocidente.
Desconfiança que é um tanto preconceito islamofóbico e outro tanto produto de fatos. Fatos como a pertença à Irmandade, no passado, do segundo homem da Al Qaeda, o egípcio Ayman al Zawahiri.
Desconfiança à parte, tem toda a razão Ed Husain, também pesquisador-sênior do Council on Foreign Relations, quando diz que, "sem a Irmandade Muçulmana, não há legitimidade em nada do que ocorra no Egito doravante".
Pois é, mas Husain também diz que o grupo "não compartilha a visão americana sobre a arquitetura de segurança na região", além de ser "fortemente anti-Israel".
Tudo somado, tem-se que entusiasmo e lágrimas tendem a ir muito além da praça Tahrir.
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