quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Quem paga o pacto?


LAURO SCHUCH
O Globo 

A reforma não pode ser pretexto para enxugar gelo ou cassar conquistas Os acenos do presidente do Supremo Tribunal Federal pela edição de um novo pacto republicano, a partir de reformas nas leis processuais para maior agilidade do Judiciário, assanham algumas reflexões, ante a possibilidade de supressão de garantias que constituem a sustentação do próprio estado de direito.

Realmente o Judiciário brasileiro possui um débito histórico de lentidão, aí residindo a maior de todas as "injustiças" que atormentam o cidadão, sendo necessário, e possível, atenuar este problema mediante reformas que aprimorem o sistema, algumas já até implementadas. 

O óbvio da questão, porém, parece ainda distante do foco dos reformistas, que se movimentam mais pelos efeitos do que pelas causas. O clamor punitivo e o recrudescimento do aparelho repressivo estatal são mais apelativos do que qualquer projeto de prevenção; e a aplicação da pena mais importante que a obtenção dos fins por ela almejados - a ressocialização. 

Há muitos recursos porque há muitos processos, e quem mais afoga o Judiciário é o próprio poder público. Por aqui, o Estado é o primeiro a descumprir suas obrigações: milhões de aposentados têm que recorrer à Justiça para terem suas aposentadorias e pensões pagas corretamente; poupadores aos milhares precisam buscar os expurgos dos planos econômicos para recomposição das perdas sofridas; internações em hospitais públicos e acesso a medicamentos já não são mais questões de plantão médico, e sim de plantão judicial; enxurradas de ações decorrem da má qualidade dos serviços públicos concedidos, e as agências reguladoras nada fazem para sanar distorções gritantes; precatórios simbolizam que lentidão e ineficácia não decorrem da orgia recursal, mas do descaso do poder público com o cidadão e as decisões judiciais. 

Há vários outros exemplos que denotam estar a raiz do problema fora do Judiciário, que apenas reflete os efeitos, e a reforma que nele se propõe como salvadora da República é mero paliativo, distante do verdadeiro pacto que precisa ser feito - que o Estado cumpra o seu papel e obrigações perante a nação. Talvez assim não fossem necessárias estruturas exclusivas só para tratar de ações de interesse de entes públicos, como a Justiça Federal e as varas da Fazenda Pública nos estados. 

Se juízes forem menos absorvidos por fatos que decorrem do descaso do poder público, certamente julgarão mais rapidamente outros casos, e, melhor, sem prejuízo das garantias constitucionais ºfundadas na ampla defesa e no contraditório. Crimes não restariam sem resposta e a prescrição perderia sua função de agente da impunidade. 

Além disso, é preciso considerar que o Brasil dispõe de cerca de um magistrado para cada 17 mil habitantes, enquanto em países desenvolvidos esta proporção se estabelece na ordem de um para cada 5 mil. O número de juízes em nosso país é insuficiente para atender à grande demanda gerada por distorções sociais gritantes. 

A reforma e o pacto não podem servir apenas para enxugar gelo nem cassar conquistas republicanas que consolidam o estado de direito e suas garantias. E nós, os contribuintes e cidadãos, não queremos pagar novamente o pacto. 

LAURO SCHUCH, advogado, foi vice-presidente da OAB-RJ.

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