JORNAL DO COMMERCIO (PE)
Está começando mais uma temporada legislativa, marcada pela combinação do velho com um conjunto de fatores que apontam para o novo, mas por enquanto como mera expectativa. De velho, temos o arraigado modelo de estruturas legislativas mastodônticas, com uma atividade cujos resultados nunca são proporcionais. Talvez apenas com uma exceção, a da longínqua sessão em que o presidente da Assembleia Nacional Constituinte, Ulisses Guimarães, proclamou em 1988, a Constituição Cidadã, sob a ovação de um plenário renovado como instituição, depois do longo inverno de pouca serventia.
De novo, há a raríssima conjuntura de um Congresso majoritariamente governista, teoricamente capaz de contemplar a nação com todas as reformas que vêm sendo procrastinadas. São reformas sem as quais não dá para pensar um Estado brasileiro modernizado, ágil, capaz de respostas rápidas para velhos problemas. Assim, por exemplo, a reforma política, chamada por alguns de mãe de todas as reformas, porque capaz de instalar como princípios fundamentais os valores mais desejáveis numa democracia.
A partir de uma reforma política será possível ter um processo político-eleitoral depurado dos vícios que fazem a crônica do poder e que se enraizaram na forma de oligarquias. Essa reforma poderia transformar em mandamentos constitucionais o que hoje é preconizado pela sociedade organizada como inadiável e irrenunciável: a instalação da ética na vida pública. O primeiro problema que se coloca é: até que ponto muitos dos nossos legisladores serão capazes de cortar na própria carne. Como esperar ética e decência em dois colegiados, de 513 e 81 membros, Câmara e Senado, cuja história recente é marcada mais pela ausência desses valores?
Isso tudo vem sendo defendido e foi desejável em legislaturas passadas, mas o sonho popular tropeçava em um Congresso sem maiorias capazes de romper os obstáculos e apontar o rumo. Na forma numérica como ele está posto hoje, com maioria absoluta do governo nas duas casas, teoricamente a reforma política seria um capítulo a ser definido de acordo com o processo legislativo, sem incidentes, sem confrontos – mesmo se esperando a desejável voz da oposição, claro.
Mas a expressão política de um Congresso é muito mais que a soma de seus representantes. Ela se faz tendo por trás dramáticas negociações, que vão das nomeações desejadas por um partido à manutenção de mordomias que nos parecem escandalosas e são tão preciosas para a chamada maioria silenciosa de congressistas – aquela que dificilmente aparece dando entrevistas e se comprometendo com princípios. Para esses segmentos, que costumam se proteger sob o escudo do voto secreto, bom mesmo é cuidar de preservar a imunidade parlamentar, os penduricalhos remunerativos que engrossam as folhas, e as generosas viagens ao exterior, com o luxo de passaportes diplomáticos. Quando esses elementos entram em jogo, tudo fica mais difícil. Como é difícil saber hoje se esse Congresso que aí está aplicará pacificamente o princípio da maioria ou renovará os mesmos procedimentos que explicariam uma reforma política.
Também teoricamente a maioria é tranquilamente dotada dos requisitos para a aprovação da reforma tributária, sem a qual não há como falar em modernização do Estado brasileiro nem da elevação de nossa capacidade de disputar espaço nas grandes decisões internacionais. Contra ela prevalece um princípio que não é só nosso, brasileiro: faz parte da natureza dos governos a voracidade por mais recursos, o que só pode se expressar pelo controle do gasto público ou por mais arrecadação. Uma reforma tributária hoje terá que vir necessariamente formulada nos moldes de uma economia competitiva, voltada para a exportação, para um melhor desempenho do setor produtivo, para o crescimento da economia. É difícil também mexer nesse vespeiro e por isso tanto se fala em reforma quanto se silenciar e mudar de assunto a cada nova legislatura. Seria de se esperar que essa que está começando traga o novo como manifestação de um poder republicano renovado. Não será preciso esperar muito para saber se teremos esse novo e tão esperado corpo legislativo.
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