Época
Há duas décadas os chilenos iniciaram uma ampla reforma na educação. Estão colhendo os primeiros resultados. O que podemos aprender com eles
No dia 7 de dezembro, o principal compromisso marcado na agenda do presidente chileno, Sebastián Piñera, era uma visita a uma escola de educação básica em Santiago. Com um grupo de educadores como plateia, Piñera foi a primeira autoridade política do país a falar sobre o desempenho dos alunos chilenos no Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês). A prova internacional feita pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) mede as habilidades de alunos de 15 anos em leitura, ciências e matemática. O resultado da prova de 2009 poderia mostrar ao Chile se a ampla e profunda reforma no sistema de ensino, iniciada há 20 anos, havia rendido frutos na última década. Piñera deu boas notícias ao país.
Desde o primeiro Pisa, em 2000, o Chile é o país que se sai melhor entre os latino-americanos, apesar de sua média ficar bem abaixo da média dos países da OCDE. Em 2009, ficou em 44º lugar no ranking de 65 países (o Brasil, em 53º). A nota do Chile em leitura aumentou 40 pontos na década, o equivalente a um ano de estudos. Foi o segundo maior avanço (o primeiro foi do Peru, que mesmo assim continua na lanterna do ranking). O Brasil avançou 16 pontos. Em 2000, 48,2% dos estudantes chilenos dominavam apenas as habilidades básicas de leitura, proporção que caiu para 30%. A grande façanha chilena, no entanto, foi conseguir melhorar a nota do país melhorando as notas dos piores alunos (que coincidem com o grupo dos mais pobres): o salto foi de 51 pontos. No Brasil, a nota dos piores alunos avançou apenas 5 pontos, 11 abaixo do aumento médio. Isso significa que o fosso entre bons e maus alunos aumenta. No Chile, diminui. De acordo com o relatório da OCDE, o Chile deu mais oportunidades iguais para todos os alunos. No Brasil, os melhores alunos puxaram o avanço.
É certo que o Chile é um país pequeno, de apenas 17 milhões de habitantes. É mais fácil lidar com os problemas. Mesmo assim, a experiência chilena tem vários pontos que servem de exemplo para o Brasil. A começar pela importância que se dá ao tema. No Chile, abaixo da Presidência, não há posição de maior prestígio político que a de ministro da Educação. O atual, Joaquín Lavín, ex-candidato a presidente, é um dos principais líderes da direita chilena. Ricardo Lagos, que presidiu o país entre 2000 e 2006, comandou a pasta na década anterior. A educação virou prioridade política e social para os chilenos no começo dos anos 90, quando o discurso de melhorar a qualidade do ensino passou de promessa de campanha eleitoral a plano concreto.
A estratégia é melhorar o ensino com equidade e fazer avaliações constantes de alunos e professores
Assim como o Brasil de hoje, o Chile daquela época havia acabado de universalizar a educação básica, mas avaliações nacionais mostravam que seus alunos, especialmente os mais pobres, não aprendiam como deveriam. O país também alcançara a estabilidade econômica, a taxa de emprego estava elevada e o nível de pobreza da população começava a cair, mas a desigualdade ainda era gigantesca. Para continuar crescendo, era imperioso melhorar a educação. “Houve um sério debate técnico e político que identificou a educação como a melhor ferramenta para dar mais oportunidades a todos”, afirma Patrício Navia, cientista político e professor da Universidade Nova York.
O sistema de ensino chileno é peculiar. O governo central não tem escolas. Elas foram municipalizadas na ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990), que também criou o sistema de voucher: o governo financia escolas de gestão privada. Hoje, as escolas subsidiadas atendem metade dos alunos, seguidas pelas públicas (municipais) e particulares. Os governantes pós-Pinochet aperfeiçoaram o sistema subsidiado, dando mais verba às escolas que atendem alunos mais pobres e às que conseguem conter a evasão.
A premissa básica da estratégia chilena é melhorar o ensino com equidade e fazer avaliações constantes de alunos e escolas para verificar se as mudanças estão dando certo. A primeira grande mudança foi a adoção, em 1997, do ensino integral obrigatório. As escolas chilenas tinham dois turnos escolares. Hoje, 62% de seus alunos ficam na escola das 8 horas às 15 horas (há exceção da obrigatoriedade nas escolas de alto desempenho). Um aluno que cursa toda a educação básica chilena estuda, no total, dois anos a mais que o aluno que estudou no regime anterior. O período integral implicou um esforço enorme de transformação, com gasto de US$ 1,2 bilhão na construção de escolas e na adequação das já existentes. Em dez anos, o país duplicou sua infraestrutura escolar.
Aumentar o tempo de permanência dos alunos na escola não era suficiente. O Chile tratou também de reformular o conteúdo. Desde 1997, o currículo escolar passou a ser nacional, com disciplinas transversais e que valorizam habilidades e competências dos alunos. Foram introduzidas aulas de informática e o inglês passou a ser obrigatório a partir do 5º ano (antes era só a partir do 7º). Mas o principal avanço foi deixar explícito o que o aluno precisa aprender e em qual série. “Isso traz um ganho pedagógico inestimável”, afirma a consultora Paula Louzano, doutora em educação pela Universidade Harvard. “O planejamento do professor melhora e fica mais fácil acompanhar o desempenho dos alunos.” As mudanças foram sendo implantadas gradualmente. Ainda não acabaram. A ideia é que sejam contínuas e que as regras possam ser atualizadas. No mês passado, o ministro Lavín anunciou novas diretrizes, como a s diminuição do tempo das aulas de história para aumentar a carga horária de leitura e matemática.
No Chile, abaixo da Presidência não há posição de maior prestígio que a de ministro da Educação
A ideia de continuidade é crucial para os chilenos. Não importa que mude o presidente, o ministro da Educação ou até o grupo que está no poder. A estratégia de investir na educação continua a mesma – fruto de um amplo acordo na sociedade, que incluiu partidos políticos, o sindicato dos professores e acadêmicos. Em 20 anos, o país quintuplicou o investimento. Aos poucos, a decisão política ganhou a sociedade. Empresas, instituições de pesquisa, centros de estudos e as próprias famílias se engajaram. “Criou-se uma cultura de cobrança de qualidade no ensino”, afirma José Weinstein, sociólogo e ex-ministro da Educação do governo Lagos.
Weinstein participou do que considera um dos principais pontos da reforma chilena: a criação de uma avaliação periódica dos professores da rede pública. A ideia de checar de quatro em quatro anos como andam as competências dos mestres só deu certo porque antes foi estabelecido, junto com escolas de pedagogia e o sindicato dos professores, o que é ser um bom professor. Essa transparência (o professor sabe os critérios pelos quais está sendo avaliado) ajudou a romper resistências. A prova é composta de uma autoavaliação, uma avaliação feita por um colega de escola, outra feita pelo diretor e, por fim, de um vídeo de uma aula dada. Professores mais bem avaliados ganham remunerações extras e passam a fazer parte de uma rede de professores que ensinam outros professores. Os piores fazem cursos de aperfeiçoamento.
Assim como em qualquer outro sistema de ensino, o professor é a chave para o sucesso do aprendizado dos alunos. De acordo com Weinstein, os salários dos professores aumentaram nos últimos anos mais do que qualquer outro do setor público. Existem programas de bonificação para os melhores desempenhos, e os professores de escolas mais desfavorecidas, como as rurais, ganham mais. Um efeito dessa política pode ser medido nos cursos de pedagogia: entre 1999 e 2007, o número de estudantes triplicou.
Apesar de começar a dar resultados, o Chile tem um longo caminho a percorrer. Até agora, o país conseguiu passar de um nível ruim para aceitável. Falta pular do aceitável para o bom – e depois para o ótimo. Um dos próximos passos é melhorar as técnicas de ensino. Em novembro, o governo chileno anunciou uma série de medidas para atrair para os cursos de pedagogia os melhores alunos do ensino médio. O governo vai pagar (não há ensino superior gratuito no Chile) os estudos dos alunos mais bem avaliados que, em vez de optarem por engenharia ou Direito, escolherem seguir carreira de professor. A jornada em busca da boa educação continua. Mas o caminho está traçado.
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