Correio Braziliense
Presidente da Academia Paulista de Letras Jurídicas e da Fundação Nuce e Miguel Reale
Passada a campanha eleitoral, vem a ressaca com decepções em relação à classe política — ressalvadas as exceções de praxe que apenas servem para confirmar a regra. Nenhuma surpresa com o clima de fim de festa, que domina em especial o Congresso Nacional, protagonista de mais um capítulo decepcionante: os deputados aproveitaram a urgência para enxertar na proposta de Orçamento da União emendas piratas de bilhões de reais que, quando não se revelam lesivas ao Erário e/ou benéficas a interesses pessoais, buscam satisfazer demandas paroquiais, que estariam mais bem representadas em orçamentos estaduais ou municipais. Mas, enfim, até mesmo o persistente bloco dos otimistas tinha pouco a esperar de um Legislativo apequenado pelo pouco respeito que se dão os próprios parlamentares.
Mais preocupantes são os traços preliminares da cena política que deverá predominar durante o governo Dilma Rousseff. Os nomes do futuro ministério não estão causando grandes surpresas, mas apenas curiosidade pelo perfil pouco conhecido de alguns. Os anúncios dos titulares da área econômica surgiram pouco depois da malfadada tentativa (esperamos que seja a última) de ressuscitar a CPMF. Deixada de lado a proposta, o Ministério da Fazenda, cujo titular será mantido, patrocina a ideia de retirar alimentos e combustíveis do cálculo da taxa de inflação — exatamente os itens que mais pesam no bolso do consumidor. A intenção declarada é manter a inflação dentro das metas prefixadas, driblando, assim, a necessidade de elevar sistematicamente as taxas de juros para contê-la, como se aí estivesse o motor de tais taxas.
Essas e outras ideias erráticas e soluções pontuais pipocam na mídia, enquanto o país assiste, entre indignado e apático, à voraz batalha pelo loteamento do governo, que mobiliza partidos, facções de um mesmo partido e até integrantes do círculo próximo à Presidência. Entretanto, tais discussões passam ao largo de programas de ação ou de propostas para a solução dos problemas nacionais, num reflexo fiel da perda do caráter programático dos partidos políticos, das mega às miniagremiações — novamente com as raras exceções de praxe a confirmar a regra. Quanto à ética, então, nem é preciso dizer algo, dada a fartura de exemplos sobre seu divórcio da prática política.
Enquanto isso, nenhuma palavra sobre os novos problemas que se juntam aos antigos. À má qualidade da educação, somam-se os equívocos de dois sucessivos Enem’s. A população cresce e cai o número de leitos hospitalares. A fome atinge mais de 11 milhões de brasileiros. Os jovens enfrentam dificuldades para se profissionalizarem, enquanto multiplicam-se as vagas ociosas no mercado de trabalho por falta de candidatos capacitados. A pesada carga tributária e o inchado custo Brasil prejudicam as exportações, ameaçando fazer o país retornar ao papel de grande fornecedor de commodities, penalizando a indústria e ameaçando empregos. Na área da Justiça, ao infernal sistema penitenciário, à obsoleta legislação penal e à lenta tramitação dos processos alongada por excesso de recursos juntam-se a ausência de leis contra os crimes cibernéticos; o aumento do poder do crime organizado, visível na guerra civil que se desenrola no Rio de Janeiro; a pressão contra direitos fundamentais, como liberdade de imprensa e sigilo bancário; a impunidade e a tolerância para com a corrupção, os corruptos e os corruptores.
Silêncio ainda mais profundo paira sobre as reformas tributária e a política, a meu ver, essenciais para dar início à grande virada rumo ao desenvolvimento sustentável. Mas essa trilha passará, necessariamente, pela reversão da tendência de agigantamento do Estado e pela concentração de recursos públicos nas áreas estratégicas da educação, da saúde, da segurança e da infraestrutura física. Além, é claro, do indispensável enxugamento nos gastos públicos.
Afinal, não é excesso de otimismo acreditar num Brasil que já venceu tantas crises e, por isso, tem tudo para avançar com rapidez, desde que conte com condições internas favoráveis. E mais: tem tudo para deslanchar num cenário internacional que se prenuncia sombrio, mas cheio de oportunidades para poucos países, como destacou o renomado consultor Jim Collins, em entrevista à revista Veja. Historicamente caóticos e incertos para negócios, Brasil e Índia credenciam seus empresários para os tempos que virão, pois possuem grande energia, desejo de aprender e abertura a novas ideias. Tudo bem, se o governo não atrapalhar e o país perder o bonde da história, como já aconteceu tantas vezes.
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