Com a decisão - certamente tomada com o prévio conhecimento do presidente Luiz Inácio Lula da Silva - de fazer novos investimentos em gás natural na Bolívia, a Petrobrás mostra uma notável capacidade de esquecer em pouquíssimo tempo graves traumas econômico-financeiros, de ignorar riscos para suas operações e de relevar agressões políticas gratuitas.
Ao confirmar que a empresa vai assumir a operação do campo de gás Itaú, do qual adquirirá 30% por um valor não revelado, o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, declarou que o objetivo é assegurar o cumprimento dos contratos de exportação de gás para o Brasil. "A questão fundamental na Bolívia é o mercado brasileiro", justificou.
O campo - concedido inicialmente à empresa francesa Total, que continuará sócia do empreendimento, com 41% do total, cabendo 25% à inglesa BG Bolivia e 4% à estatal boliviana YPFB-Chaco - é vizinho aos de San Alberto e San Antonio, de onde é extraída a maior parte dos cerca de 30 milhões de metros cúbicos de gás exportados diariamente para o Brasil. Itaú deverá começar a produzir na segunda quinzena de janeiro, com fluxo inicial de 1,5 milhão de metros cúbicos diários. No auge, produzirá 5 milhões de metros cúbicos por dia.
Num momento em que o órgão encarregado do planejamento estratégico na área de energia, a Empresa de Pesquisa Energética, projeta para o futuro próximo uma megaoferta de gás natural brasileiro - com a produção das bacias já exploradas e com as novas descobertas em Minas Gerais e no Maranhão (e sem contar o pré-sal) -, a justificativa do presidente da Petrobrás para o novo investimento na Bolívia não é convincente.
Mas não é só a fragilidade do argumento de Gabrielli que reforça dúvidas sobre a oportunidade, a necessidade e a viabilidade do investimento. Ainda que o fornecimento do gás boliviano fosse relevante para evitar o colapso do abastecimento do mercado brasileiro nos próximos anos, a Petrobrás deveria avaliar com mais cautela os riscos de ampliar os investimentos no país governado por Evo Morales, cujo nacionalismo demagógico já causou tantos problemas para ela e para o governo brasileiro.
Para anunciar, no dia 1.º de maio de 2006, a assinatura do decreto de nacionalização de todas as operações de hidrocarbonetos no país, Morales liderou pessoalmente a ocupação militar do Campo de San Alberto, operado pela Petrobrás. Lá, afirmou que aquele era um dia histórico, pois, com o ato que assinara, punha fim ao "saque (da Bolívia) por empresas estrangeiras". Em seguida, ordenou a ocupação militar de todas as refinarias e campos de petróleo e gás do país.
Poucos dias depois, quando chegou a Viena para o encontro de cúpula da União Europeia e da América Latina, Morales acusou a Petrobrás de sonegar impostos, de praticar contrabando e de operar na ilegalidade, violando as leis e a Constituição da Bolívia. O presidente Lula, que também participou do encontro de Viena, ouviu tudo calado.
Desde 1996, quando iniciou suas operações na Bolívia, até a nacionalização, a Petrobrás tinha investido US$ 1,5 bilhão no país, além de outros US$ 2 bilhões para trazer o gás boliviano até o Brasil. Era a maior empresa em operação na Bolívia, responsável por 15% do PIB local. Apesar da importância dos investimentos brasileiros para a economia boliviana, a reação do governo Lula às agressões políticas e econômicas do governo da Bolívia ao Brasil foi tímida, o que abriu espaço para mais demagogia de Morales e retardou a conclusão dos entendimentos.
A Petrobrás vendeu suas refinarias para a YPFB, aceitou a mudança dos contratos de operação na Bolívia e continua a operar os campos de gás, alegando que precisa abastecer o mercado brasileiro. Mas a razão mais forte para ela continuar atuando e até ampliar sua operações na Bolívia não é econômica. Sua presença na Bolívia é parte da estratégia do governo Lula de proteger alguns governantes de países vizinhos, ainda que isso contrarie os interesses do Brasil.
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