Jorge Arbache
Valor Econômico
O Brasil experimenta um período de aceleração do crescimento desde 2004. A taxa média de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) per capita de 2004 a 2010 foi de 3,2%, bastante superior à das décadas de 1980 e 1990, que foi de 0,4%. Mais importante foi a substancial redução da volatilidade no período.
A trajetória do crescimento brasileiro nem sempre foi bem comportada. A análise cuidadosa dos dados dos últimos 50 anos mostra que o crescimento normalmente é errático e caracterizado por elevadíssima volatilidade. Ademais, períodos de aceleração são invariavelmente seguidos por fases de colapso. Indicadores específicos mostram que a volatilidade da taxa de crescimento do Brasil é bem superior à média mundial, à média dos países latino-americanos, à média dos países de renda média, e mesmo à média dos países de renda média-baixa.
Uma outra característica da trajetória de crescimento de longo prazo do Brasil é a baixa taxa média. Nas últimas cinco décadas o crescimento médio do PIB per capita foi de 2,5%. Levando-se em conta essa taxa, o Brasil precisa de 28 anos para duplicar a renda per capita, enquanto a China, com a taxa de crescimento do PIB per capita de 7,2% no mesmo período, dobra a renda a cada dez anos.
As décadas de 1980 e 1990 são ilustrativas da trajetória de alta volatilidade do crescimento brasileiro. Nesse período, a economia cresceu a taxas positivas em onze dos 20 anos e a taxas negativas nos demais nove anos (anos não necessariamente consecutivos). A taxa média dos anos em que a economia cresceu a taxas positivas foi de 3,2%, mas a taxa média dos anos em que a economia contraiu foi de -2,9%. Como resultado, a taxa média de crescimento do PIB per capita no período foi de apenas 0,4%.
A deterioração das contas de transações correntes aumenta as incertezas e eleva a vulnerabilidade
A volatilidade da taxa de crescimento não é neutra e normalmente tem implicações perversas. Não por acaso, a literatura econômica aponta relação negativa entre taxa de crescimento e volatilidade. De fato, a elevada volatilidade ajuda a explicar o desempenho de variáveis econômicas e sociais no Brasil. Durante episódios de aceleração do crescimento, a taxa média de aumento da produtividade é de 1,8% ao ano, mas durante episódios de colapso econômico ela é de -1,6%.
Indicadores de investimento, pobreza e concentração da renda melhoram durante episódios de crescimento, mas se contraem em magnitude similar durante episódios de colapso econômico. Logo, podemos esperar que uma trajetória de crescimento com menor volatilidade seja acompanhada de desempenho econômico mais robusto e com melhores indicadores sociais.
Vários fatores ajudam a explicar a volatilidade do crescimento brasileiro, mas a baixa taxa de poupança e a deterioração das contas externas merecem atenção especial. A taxa média de poupança, da ordem de apenas 16,2% do PIB nos últimos dez anos, é insuficiente para financiar o aumento do investimento para patamares mais elevados - a taxa média de investimento foi de apenas 16,7% do PIB no mesmo período.
Pior do que a baixa taxa de poupança é a baixíssima sensibilidade da poupança ao crescimento da renda. Durante episódios de aceleração do crescimento, a taxa de expansão da poupança é de apenas 0,2% ao ano. Mas, durante períodos de colapso do crescimento, a poupança apresenta retração de -0,9% ao ano. Ou seja, a poupança cresce pouco durante os anos bons, mas contrai rapidamente durante os anos ruins.
A limitada e pouco elástica poupança interna durante os anos bons e o caráter anticíclico das exportações e pró-cíclico das importações ajudam a explicar a deterioração das contas de transações correntes durante episódios de crescimento. A deterioração das contas de transações correntes aumenta as incertezas, eleva a vulnerabilidade da economia a choques externos - como os choques de crédito e de termos de troca - e, juntamente com a baixa poupança, constrange o crescimento e realimenta a volatilidade.
Um exame mais detalhado do episódio de aceleração do crescimento de 2004 a 2010 mostra que a taxa de poupança continua baixa - 17,3% do PIB -, e que as contas de transações correntes seguem com tendência de crescente deterioração - neste ano deveremos ter um déficit de cerca de 2,5% do PIB e, no ano que vem, de cerca de 3,5%.
A história econômica dos últimos 50 anos mostra que escassez de poupança e a deterioração das transações correntes foram excelentes indicadores para se prever o fim dos episódios de crescimento no Brasil. Se esse padrão ainda se mantiver, então podemos suspeitar de que o atual ciclo de crescimento possa estar perto do seu limite.
O maior desafio econômico do governo da presidente Dilma será o de sustentar o atual ciclo de crescimento e evitar que a economia caia na velha sina do colapso após a aceleração. Para que se evite esse destino, será preciso focar numa agenda de reformas e ações que reduzam a volatilidade do crescimento e os principais fatores por detrás dela, como a poupança baixa e a deterioração das transações correntes. A elevação da poupança vai requerer sacrifícios e maior eficiência dos setores público e privado. A melhoria das contas de transações correntes vai exigir redobrados esforços para a elevação da competitividade e das condições para se fazer negócios no Brasil, bem como de políticas macroeconômicas e microeconômicas coerentes e consistentes.
Jorge Arbache é assessor da presidência do BNDES e professor da Universidade de Brasília.
Nenhum comentário:
Postar um comentário