sábado, 4 de dezembro de 2010

Risco espanhol

Miriam Leitão

O Globo
A Espanha é a porta de entrada para uma contaminação da crise europeia na América Latina. No México, 37% de todos os ativos financeiros estão nas mãos de bancos espanhóis. No Brasil, 10%. Nos próximos dois anos o governo espanhol terá US$ 341 bilhões em dívida para rolar. Isso representa 25% do PIB espanhol. Agora, até as empresas do país estão tendo que pagar mais caro para rolar as dívidas.

A desconfiança com as contas da Espanha tem feito com que o custo para a rolagem da dívida fique mais caro e, desta forma, o governo está entrando numa espiral negativa. Esta semana, esse custo bateu recorde desde a criação da Zona do Euro: chegou a 5,34% para títulos espanhóis de 10 anos, 3,11% a mais que os juros da dívida alemã. Ontem, caiu quando o Banco Central Europeu afirmou que iria continuar financiando a dívida dos países problemáticos. A crise se agrava porque a dívida do setor privado, que chega a 140% do PIB, também começou a ficar mais cara.

O PIB da Espanha representa 12% da Zona do Euro e chega a US$ 1,45 trilhão, pouco menor que o PIB brasileiro. Para se ter uma ideia do que isso significa, o PIB da Irlanda é de US$ 0,2 trilhão. Juntos, Portugal, Irlanda e Grécia somam US$ 0,75 trilhão. Daí, percebese o potencial de estrago de uma crise espanhola. O Fundo de socorro da Zona do Euro, de C 750 bilhões, pode não ter fôlego para socorrer a Espanha.

— A Espanha preocupa e precisa ser acompanhada constantemente com lente de aumento porque é lá que está o grande risco para o mundo. A situação não é fácil — afirmou o economista Alexandre Póvoa, da Modal Asset.

Assim como Estados Unidos, Irlanda e Inglaterra, a crise espanhola tem origem no mercado imobiliário. A maior parte dos empregos criados no país nos anos 2000 teve vínculo com o setor de habitação. Em 2007, enquanto o investimento em construção da Zona do Euro somava 6% do PIB, na Espanha, a taxa chegava a 9%. Isso mostra por que o estouro da bolha em 2008 teve impacto tão grande no mercado de trabalho. O desemprego disparou de 8%, em 2007, para acima de 20%, este ano. É o maior da Zona do Euro e torna a recuperação mais difícil porque tira poder de compra das famílias. Também expõe os bancos a riscos de atrasos ou calotes.

O estouro da bolha e os prejuízos bancários levaram o governo a socorrer o sistema financeiro. As contas públicas se deterioraram rapidamente. Se em 2007 elas registraram superávit de 1,9%; em 2009 marcaram déficit de 11,2% do PIB. A dívida, que era de 36,1% do PIB em 2007, deve chegar a 69,4% em 2012, segundo projeção do governo.

Num mundo globalizado em que tudo se mistura, a Espanha corre riscos também por causa de Portugal. Os bancos espanhóis têm US$ 100 bilhões de títulos da dívida do governo de Portugal, de ativos de empresas portuguesas ou imóveis comerciais no país. E Portugal tem US$ 40 bilhões de dívida para rolar apenas no primeiro quadrimestre de 2011. Isso aumenta os riscos para os espanhóis. Ontem, a S&P colocou sob avaliação negativa o rating de Portugal.

Em relatório, o banco francês BNP Paribas disse que a “Espanha é a chave para a América Latina”. Ou seja, se a crise chegar aos espanhóis, terá também impacto na região, mas o risco maior é do México porque 37% dos ativos bancários do país estão nas mãos de bancos espanhóis. No Brasil, a taxa é bem menor: 10%. Mas, segundo o Paribas, o risco no Brasil é menor porque 50% do mercado de crédito do país estão nas mãos de bancos públicos. É ironia que o mercado aponte o gigantismo do setor público no mercado brasileiro — sempre criticado — como um fator de segurança.

— O risco para o México é muito maior porque o país tem relações muito mais fortes com a economia espanhola do que o Brasil. O nosso problema seria dificuldade para o financiamento do déficit em conta corrente, que está crescente. Podemos ter menos Investimento Estrangeiro Direto e menos fluxo externo como um todo — explicou a economista Monica de Bolle, da Galanto consultoria.

Monica esclarece que os grandes bancos espanhóis privados estão bem e que os problemas estão concentrados nos bancos públicos:

— Os grandes bancos da Espanha estão bem. Entre eles, o Santander, que tem forte presença no Brasil. Inclusive a operação do Santander no Brasil é tão boa que a filial manda dinheiro para a matriz. O problema está nas chamadas cajas de ahorros, que são bancos de províncias. Muitos já quebraram e há um fundo do governo para socorrê-los — afirmou.

José Augusto de Castro, da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), vê impacto na balança comercial porque uma crise na Espanha afetaria toda a Zona do Euro:

— A Europa é grande compradora de commodities e destino de 21% de nossas exportações. Como a receita para a redução do déficit fiscal é corte de gastos, haverá menos crescimento e menos demanda por commodities. Além disso, um agravamento da crise, chegando a uma economia sólida como a espanhola, levará investidores a buscar ativos seguros e fugir do mercado de commodities. Isso terá reflexo nos preços.

O Departamento de Estudos Econômicos do Bradesco escreveu que o temor sobre os países da Zona do Euro não sairá do radar tão cedo. A preocupação também é com o financiamento do nosso déficit em conta corrente.

“Torna-se imperativo encontrar uma nova fonte de financiamento para o crescimento brasileiro”, disse.

A deterioração das contas públicas da Irlanda e da Espanha deve servir de exemplo para o governo brasileiro. É preciso sempre estar preparado para o pior, porque em caso de crise a reputação de um país vai de um extremo ao outro em curto espaço de tempo. A Irlanda demorou 15 anos para colocar as contas em ordem e apenas três anos para bagunçá-las novamente.
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