quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Tiririca e a educação nacional

João Batista Araújo e Oliveira

Correio Braziliense

Presidente do Instituto Alfa e Beto

O Ministério da Educação (MEC) e o Tribunal Eleitoral têm muito a aprender um com o outro. O segundo pode ensinar ao primeiro o que significa alfabetizar. Já o MEC deve mostrar ao tribunal o que é compreender um texto. Essa troca de informações sem dúvida contribuirá para melhorar a educação e o nível dos nossos políticos. Na agenda pós-eleitoral, uma nova avaliação: a prova do Tiririca.

Conforme noticiou a imprensa, foi determinada a realização de uma prova de leitura e ditado ao recém-eleito vencedor das urnas. Nada mais acertado. Qualquer cidadão sabe que essa é a prova de fogo da alfabetização: escreveu não leu, o pau comeu! Ler e escrever se avaliam com instrumentos tão simples quanto um ditado e leitura de um texto corriqueiro. Qualquer pessoa alfabetizada é capaz de montar, aplicar e corrigir uma prova dessas.

A educação no Brasil teria enormes chances de melhorar se o MEC e as secretarias de Educação fizessem, com a mesma presteza, essa checagem no fim do 1º ano do ensino fundamental. Pena que a imposição ao Tiririca não se estenda às instituições que elaboram testes de alfabetização e às faculdades que formam nossos professores, e que, há décadas, deixaram de formar professores alfabetizadores. A alfabetização das crianças é o primeiro gargalo da educação no país. É o primeiro passo a ser conquistado em qualquer nação que pratica educação de qualidade.

Infelizmente, cerca de 50% das crianças do 5º ano do ensino fundamental não passariam no teste do Tiririca. O mais grave: nunca foram submetidas, de fato, a uma prova como essa agora proposta. No lugar dos mirabolantes testes de alfabetização que andam por aí, se isso tivesse ocorrido, viveríamos em outro país. Pesquisas do Instituto Montenegro mostram que apenas 30% dos adultos de qualquer nível de escolaridade conseguem compreender o que está escrito nos textos do cotidiano.

Alfabetizar é isso: ser capaz de ler e escrever qualquer palavra da língua. A pessoa deve ser capaz de grafar as palavras, de forma legível e respeitando as regras da representação fonética e ortográfica. Se o aplicador do teste ditar “é ladrão de mulher”, Tiririca não poderá escrever “muié”, sob o risco de perder o seu registro. Se ditar “ficha limpa”, não vale escrever “fixa limpa”. Na leitura, é preciso que o ouvinte entenda o que foi lido — e isso exige um mínimo de fluência, e não apenas a capacidade de ler silabando ou ler palavras: Ho-je/é/di-a/de/cir-co!

Se houvesse um padrão mínimo na educação nacional, seria exigido — e bastaria isso — dos candidatos um diploma de determinado nível de ensino, da mesma forma que qualquer empregador sabe o que significa um diploma do Senai, quando recruta um trabalhador na indústria. Hoje, o documento de conclusão de ensino fundamental ou mesmo de ensino médio não garante que o portador sabe ler e escrever. Muito menos se compreende o que lê.

 Compreensão na leitura é o mínimo que se pode esperar de um legislador, ainda que seja um legislador oriundo do povo. Ninguém ignora que adultos analfabetos são capazes de compreender muita coisa. Mas na sociedade do conhecimento é preciso ir muito mais além. Aprender sozinho, lendo, refletindo e se expressando por escrito, é requisito mínimo do século passado e já estamos na segunda década do século 21.

As orientações do MEC nas últimas décadas têm insistido na questão da compreensão, mas suas recomendações ignoram dois componentes básicos para que ocorra. Primeiro, que o aluno seja alfabetizado, que saiba ler e escrever. Segundo, que entenda a estrutura de sua língua, que saiba usar a gramática, que não tenha dúvidas a respeito da diferença entre os que “foram” e os que “forem” alfabetizados ou condenados pela Justiça. Só esses terão uma ficha limpa da educação. Tiririca, obrigado pela lição que seu julgamento oferece ao Brasil!
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