ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE
A história da humanidade não é redutível a equações, e é complicado enxergá-la como ciência. Fosse uma, seria relativamente simples prever. Há entretanto certas regras. E prestar atenção nelas ajuda um bocado.
Uma regra é a inexistência de nexo absoluto entre os recursos naturais de um país e seu progresso. Uma parte da explicação pode ser debitada na conta do colonialismo, do imperialismo, mas enxergar a coisa só por aí seria miopia.
Há bom exemplo de país fortemente subsidiado (o contrário de "explorado") mas incapaz de dar o salto adiante.
Assim como existem ótimos casos de nações cujo praticamente único recurso natural é a população e apesar disso, ou por causa disso, seguem adiante aos pulos.
Já nós permanecemos mentalmente acorrentados a um pensamento pré-moderno, segundo o qual a natureza é a fonte de toda riqueza.
Foi o que se viu na campanha presidencial deste ano, no debate sobre o petróleo do pré-sal. Polemizou-se sobre o modelo do negócio (concessão ou partilha), mas não sobre o que fazer com o dinheiro.
O modelo pode ser importante, mas em última instância a diferença entre as propostas é contábil. Quanto da receita fica com o governo e quanto com o parceiro privado.
O verdadeiro nó, se o foco estiver na soberania do país, é como converter a receita do pré-sal em alavanca para a inovação científica e tecnológica. Não apenas na esfera da indústria do petróleo, mas na economia nacional como um todo.
Pois se há uma regra bem estabelecida na História é a vantagem competitiva dos povos capazes de inovar e estar adiante de seu tempo, no esforço para controlar os elementos da natureza, na arte de fazê-los trabalhar para nós.
Qual é o maior desafio brasileiro? A forte desigualdade social é fenômeno algo recente. E vai sendo enfrentada. Imbatível mesmo é nossa resistência a transitar de uma sociedade recostada no extrativismo para uma fincada na indústria, no conhecimento, na agregação de valor-trabalho.
Tudo nos empurra para trás. O agrarismo está no nosso DNA. O único lugar em que o capital proveniente da agricultura serviu para catapultar a industrialização " São Paulo " acabou ocupando o nicho de "opressor" no imaginário modelado pelas demais elites brasileiras.
Na era das delícias consumistas do real forte, nosso processo de "libertação nacional" vem se resumindo a uma substituição: sai o "Made in USA" e entre o "Made in China" (em inglês mesmo; em mandarim ficaria ininteligível).
Confira você mesmo. Dos presentes que deu nestas festas de fim de ano, quantos portavam a marca "Indústria Brasileira" (ainda é assim")?
O imenso saldo comercial externo produzido pela agricultura é consumido em importações. E muitas vezes quando importamos maquinário é para alimentar indústrias apenas montadoras.
O Brasil orgulha-se da Embraer. Mas o que aconteceria à empresa se de repente ficasse proibida de importar tecnologia e componentes?
Quando queremos vender aviões para alguém precisamos antes pedir licença a terceiros.
Ouve-se por aí que o grande desafio de Dilma Rousseff será consertar os gargalos na infraestrutura. É algo relativamente simples de fazer numa época de prosperidade continuada.
Difícil mesmo será consertar os gargalos na nossa mentalidade. A educação pública, por exemplo, é tratada como uma joint-venture entre os políticos grávidos de promessas nas eleições e os sindicatos das categorias profissionais diretamente envolvidas.
A expressão "movimentos sociais" é um rótulo bonito para mascarar o corporativismo.
Sim, pois não se conhece entre os movimentos sociais nenhuma APCFVEPTDSTAN (Associação de Pais Cujos Filhos Voltam da Escola Pública Todo Dia Sem Ter Aprendido Nada).
Nosso grande desafio não está nas profundezas do pré-sal, nem nos buracos das estradas, ou na falta delas. Está em transformar a escola pública brasileira, de baixo até em cima, em um dínamo do saber, da ciência, da inovação, da competição, do progresso. Uma escola voltada para a ascensão profissional e social do aluno e da família dele. Simples assim.
Infelizmente, não se nota no governo que entra um desejo de promover essa ruptura tão necessária. Parece ainda acorrentado ao continuísmo, ao corporativismo. Mas tomara que eu esteja errado, e não seria justo fazer pré-julgamento.
Melhor torcer para que desta vez aconteça um milagre.
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