O Estado de S.Paulo
Aqui e ali, nas resenhas, retrospectivas e balanços sobre o fim do governo Lula, surge a ideia de que o presidente foi melhor nos dois mandatos pelo mal que evitou fazer do que pelo que propriamente fez. A síntese do mal menor no governo Lula quase sempre é feita por remissão comparativa ao passado retórico do PT e do líder sindical metalúrgico do início dos anos 80 até meados dos anos 90.
Com a manutenção das políticas fiscal, monetária e cambial, ficou em segundo plano a profusão de sinais trocados emitidos por Lula. Diante do essencial, as dúvidas semeadas por Lula nos dois mandatos foram tratadas como algo acessório. O atual estágio do crescimento econômico, o estado das contas públicas (sem lastro para maiores investimentos, propagandas do PAC à parte) e a proposta de expandir as políticas sociais impõem, porém, o enterro desses sinais trocados.
Vamos a dois exemplos, aeroportos e banda larga, sobre o padrão de zigue-zague que a nova chefe de Estado, Dilma Rousseff, precisa encarar.
O Brasil fecha 2010 com um crescimento econômico na casa dos 8%, um recorde para as últimas duas décadas. A saúde econômica dos EUA e da Europa está resfolegante, mas a China continua exuberante. Mesmo que o ritmo do crescimento do País diminua um pouco, é certo que a infraestrutura disponível e o padrão de financiamento bateram no teto. Há um nhenhenhém nesse debate.
Há importantes obras em andamento, mas o tamanho das necessidades brasileiras obrigará Dilma a dizer se o governo adota regras claras para uma inédita atração de capitais privados ou se o Planalto continua a flertar com jogos de palavras que falam em mais Estado, em Estado parceiro, em Estado que resolve. O governo Lula não conseguiu botar em pé sequer as Parcerias Público-Privadas (PPPs). O País não precisa ser governado por um privatista vesgo, por alguém que satanize o setor público, mas não pode perder tempo com ilusões e falsas dúvidas.
Essa chacota ideológica sobre o Estado salvador ganhou força no auge da crise financeira de 2008, quando os governos foram obrigados a resgatar os bancos à beira da falência. Os governos que adotaram tais políticas para o conjunto da sociedade são os mesmos - ainda que as pessoas no comando possam ter sido outras - que, anos atrás, flexibilizaram as regras de controle e regulação dos mercados financeiros. Na hora de endeusar o Estado, os críticos esquecem, por conveniência, que a história está repleta de políticos que levaram à falência centenas de cidades grandes e pequenas e que levaram nações inteiras à bancarrota. De um modo geral, saem do buraco enfiando a mão no bolso do contribuinte e tomando dinheiro emprestado onde existe, nos bancos públicos e privados.
O certo é que, ao contrário da ladainha em curso, o Estado, pela fartura de exemplos, faz pouco ou quase nada com eficiência quando se trata de prestar um serviço. A maioria dos serviços prestados pelo Estado nem se submete às regras de qualidade apropriadamente impostas aos do setor privado.
Banda larga feita e servida pelo Estado é uma piada de mau gosto, um exemplo caricato do sinal trocado com que o governo Lula foi entretendo o País. O governo que não conseguiu universalizar a telefonia não o fará com a internet. Dirão alguns que os governos anteriores são uma coisa e os de Lula e Dilma são outra coisa bem diferente. Nomes de presidentes à parte, o padrão de cobrança do servidor público não mudou nada. No governo Lula, só aumentou a taxa de corporativismo. Governo é governo, não importa o presidente.
O Estado é movido por almas trabalhadoras, mas o espírito reinante é esse. E aí quero ver o consumidor cidadão na hora de reclamar do burocrata do governo que presta o serviço de banda larga! Quem já foi ao Procon ou usou o Judiciário para acabar com as filas nos postos de saúde e hospitais públicos? Quem tem a pachorra de processar o Estado por conta de uma correspondência que os Correios largaram em um canto e foi de um lugar para lugar nenhum?!
Uma coisa é o Estado, em nome de uma ideologia, arvorar-se a fazer o que, comprovadamente, não fará bem feito. Outra é adotar um mix de estímulos (persuasivos, indutivos e punitivos) que leve o setor privado a fazer o necessário.
A demanda por infraestrutura num país que precisa crescer ao ritmo de 8% não vai ser atendida com base em uma política de sinais trocados. Que o Estado cumpra o papel de regulador sério, mas não tenha dúvida sobre o óbvio: quanto mais investimento privado e maior for a transparência da contratação, maior será a rapidez da construção e a eficiência do serviço construído e prestado. Antes de saber quanto vai ganhar, o investidor quer regras claras para saber como. E, quanto mais estável é a regra, para que ganhe no longo prazo e com segurança, menos ganho de curto prazo exige.
O caso dos aeroportos é igualmente exemplar para esse debate. O governo Lula vem, literalmente, enrolando sobre o assunto. E, nesse caso, com a ativa participação da então ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Abre o capital da Infraero, estatiza a Infraero, deixa a Infraero com os grandes aeroportos ou deixa a Infraero só com os pequenos (porque as empresas privadas só querem o filé!). Junta filé e osso e cria um pacote de concessões.
Esse foi o pano de fundo dos oito anos de Lula, pura inanição à porta das necessidades impostas pelo crescimento, havendo ou não Copa do Mundo e Olimpíada.
Por trás desse debate reina, mais uma vez, a tática a adotar para contribuir com a estratégia estatista. Uma desnecessidade. Se a Infraero, depois de uma avaliação objetiva, tem contribuição estratégica a dar numa parceria com o setor privado, que se adote o modelo. Se a Infraero mais atrapalha do que ajuda, que se estude o destino a dar à estatal. O que não pode é perder tempo com o debate sobre o futuro da Infraero, quando o debate deve ser sobre o que fazer para ter uma infraestrutura aeroportuária à altura do crescimento do País. O investidor convive mal com esse zigue-zague.
JORNALISTA, É CHEFE DE REDAÇÃO DA SUCURSAL DE BRASÍLIA DO "ESTADO"
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