O Estado de S. Paulo
Em artigo anterior, explorei alguns caminhos para remover constrangimentos que recaem sobre os contribuintes, por força de custosos caprichos da burocracia fiscal. O tema é inesgotável, como já salientei, e poderia inspirar um programa nacional de desburocratização fiscal.
Nesse contexto, as certidões fiscais ganham destaque especial. Em princípio, elas deveriam retratar tão somente a situação fiscal do contribuinte: as positivas, para salientar a existência de débitos exigíveis; as positivas com efeitos negativos, para ressalvar que os débitos existentes se encontram com exigibilidade suspensa, em virtude de contestação administrativa ou judicial; e, por fim, as negativas, para registrar que inexistem débitos.
Ao contrário do que seria razoável admitir, elas não fazem menção a fatos passados. Não representam, portanto, um histórico do contribuinte e, sim, uma situação presente.
A impotência da cobrança fiscal, mormente na execução judicial, motivou a criação de métodos indiretos de cobrança, dos quais o mais conhecido é a exigência de certidões para o exercício de determinadas atividades negociais. A certidão negativa ou positiva com efeitos negativos passou a ser condição essencial para que o contribuinte possa relacionar-se com o setor público, no que concerne à participação em certames licitatórios, contratação de empréstimos ou fruição de benefícios fiscais. No caso da Previdência Social, essa restrição alcança até mesmo negócios imobiliários entre particulares.
Assim, expressivo contingente de contribuintes demanda a posse daquelas certidões que conferem habilitação para seus negócios com o Estado. Aí começa a novela.
De repente, sem prévia notificação, o contribuinte descobre que tem uma pendência fiscal, na maior parte das vezes de valor irrelevante ou fruto de erros formais dele próprio ou da administração. A resolução dessa "pendência" consome tempo e paciência, não raro com uso do recurso à via judicial.
No final, se tudo der certo, obtém-se a certidão liberatória. Curiosamente, ela tem validade de seis meses, o que é explicado pela dificuldade de obtê-la. Tal fato, entretanto, envolve uma contradição em termos.
Como se pode certificar o futuro? As consultas médicas fariam um enorme sucesso se pudessem oferecer, por absurdo, uma certidão de saúde válida por seis meses.
O Supremo Tribunal Federal, em decisão recente, considerou inconstitucional a legislação ordinária relacionada com exigências de certidão para a realização de negócios com o setor público, qualificando-as como sanção política, porque representavam ofensa ao exercício de atividades econômicas lícitas, conforme preceitua o art. 170, parágrafo único, da Constituição.
A matéria, entretanto, não está pacificada. Falta aguardar, ainda, qual será o posicionamento da Corte Suprema ante o disposto no art. 195, § 3.º, da Constituição, que impede a pessoa jurídica em débito com o sistema de seguridade social contratar com o Poder Público ou dele receber benefícios fiscais ou creditícios.
De qualquer forma, parece faltar nexo a essa restrição. Como o contribuinte irá pagar esses débitos se não pode exercer suas atividades? Não seria mais razoável prever que, nos pagamentos realizados pelo setor público, se faria uma retenção destinada à amortização da dívida, de acordo com a margem do negócio?
Em tudo isso, fica evidente que a ineficácia da cobrança inspira a adoção de medidas gravosas, descompromissadas com proporcionalidade e razoabilidade, que pretendem substituir os mecanismos da execução fiscal. Incluem-se nesse universo a restrição a negócios com o setor público, a divulgação de constrangedoras listas de devedores ou a inscrição no Cadin, para não falar de pretensões mais extravagantes como a comunicação à Serasa ou a penhora administrativa.
Um bom debate é perquirir as causas da falência da execução fiscal, evidenciada por uma dívida ativa que, no âmbito federal, ultrapassa R$ 700 bilhões e tem uma liquidez ao redor de 1%.
Como está hoje estruturada, a execução fiscal é absolutamente inviável, porque padece de requisitos mínimos de consistência. Demanda-se ao Judiciário a cobrança de um débito, que muitas vezes não se sabe ao certo qual é o devedor, não se conhece seu endereço e há controvérsias quanto ao montante. É, portanto, uma piada.
O débito inscrito em dívida ativa deveria estar sujeito a um prévio processo de preparação, que abrangesse o arrolamento ou cautelar fiscal e, observado o devido processo legal, a identificação definitiva dos devedores e corresponsáveis e dos seus respectivos endereços. O recurso a medidas oblíquas de cobrança é apenas sintoma de sua própria fraqueza. A execução fiscal não se ressente de músculos, mas de inteligência.
Enfim, o tema da desburocratização merece mais desdobramentos, por sua importância em termos de facilidades para a realização de negócios. Caso contrário, continuaremos sendo um País mal avaliado, conforme mais uma vez evidenciou pesquisa do Banco Mundial.
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