sábado, 22 de janeiro de 2011

''Plus ça change?'

Monica B. de Bolle
O Estado de S. Paulo

O famoso epigrama do jornalista francês Jean-Baptiste Alphonse Karr é perfeito para o momento atual. Em se tratando da recuperação da economia global, quanto mais as coisas mudam, mais permanecem iguais. Não estivesse o drama fiscal europeu tão em evidência, um leitor distraído poderia facilmente descartar as manchetes dos últimos dias, acreditando estar lendo os jornais de três anos atrás. Alta de preços de commodities, choque de oferta de alimentos, inflação global em elevação, clamores de sobrevalorização cambial nas economias emergentes, sobretudo por causa da abundância de liquidez externa... Todos esses ingredientes estavam presentes no início de 2008, às vésperas da crise financeira. A violenta recessão global os removeu, temporariamente, do topo da lista de preocupações das autoridades mundiais. No entanto, eles voltaram revigorados e renovados neste início de 2011, sintomáticos dos alarmantes desequilíbrios por trás da retomada da atividade mundial.

No início de 2008, foram os excessos do setor financeiro privado das economias avançadas que, em conjunto com a exuberância de alguns países emergentes, criaram as condições para as altas verificadas nos preços das matérias-primas e para a fartura de liquidez, pressionando a inflação, de um lado, e valorizando as moedas locais, de outro. Em 2011, são os excessos dos governos das economias maduras, provocados tanto pela necessidade de conter o impacto recessivo da crise quanto por certa dose de imprudência, em combinação com uma postura macroeconômica procíclica semelhante à de 2008 em algumas economias emergentes, que estão gerando sintomas e dilemas iguais aos anteriores. Contudo, os instrumentos de política econômica que estão sendo usados por alguns países emergentes - como o Brasil - para enfrentar os mesmos problemas de 2008 têm sido um pouco diferentes. Mais medidas macroprudenciais, mais intervenção nos mercados de câmbio, menos instrumentos monetários convencionais. Por quê?

Por um lado, há um "novo" contexto global pós-crise. O consenso de que falhas regulatórias tornaram o sistema financeiro mundial mais vulnerável, possibilitando a crise, serviu para enaltecer o papel das medidas
macroprudenciais, como atestam vários relatórios recentes de órgãos internacionais, como o BIS e o FMI. Essa é uma razão para que instrumentos como depósitos compulsórios, mudanças nos requerimentos de capital para determinadas operações de crédito ou mesmo certos tipos de intervenção no funcionamento dos mercados de câmbio tenham hoje mais relevância e aceitação do que no passado recente, motivadas pela necessidade de prevenir os excessos perniciosos de liquidez e de crédito. Por outro lado, como o instrumento convencional de combate à inflação, a taxa de juros, tende a acentuar o já elevado diferencial entre os rendimentos dos ativos das economias emergentes e das economias maduras, as medidas macroprudenciais têm um benefício colateral vantajoso agora, ainda que sejam um pouco distorcidas. Como esses instrumentos têm um impacto sobre as condições de liquidez da economia, eles podem atenuar o dilema dos bancos centrais dos países emergentes ao limitar a magnitude do aperto monetário necessário para conter as pressões inflacionárias, reduzindo o impacto sobre o diferencial de juros que estimula as entradas de capitais e valoriza as moedas locais.

Não há dúvida de que essas considerações se aplicam ao Brasil. No entanto, o problema da inflação e do câmbio no País não tem apenas origens externas. Os excessos de demanda doméstica observados, sobretudo quando vinculados a um crescimento descontrolado do gasto e do crédito público, geram sobrevalorização cambial e resultam em pressão inflacionária. Ignorar isso e tentar resolver o problema de outras formas, evitando o uso agressivo de receitas macroeconômicas básicas, arrisca, no mínimo, a anemia econômica associada a um peso excessivo do Estado, como temos visto nas economias maduras. Plus ça change... plus c""est la même chose.
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