Márcio Evangelista de Ferreira da Silva*
O Globo
*Juiz de direito do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT)
A tragédia que as águas das chuvas causaram no Rio de Janeiro e em São Paulo foram manchetes de todos os jornais e em todas as redes de televisão do país. A população ficou comovida e ajuda de todos os locais tenta amenizar a dor e sofrimento dos atingidos pela força da natureza.
Mas a tragédia já era prevista, pois há anos — nas vestes do Estado — a população é atingida por fatos semelhantes e nada é feito. Nada se faz para evitar as enchentes em São Paulo. Nada se faz para evitar que casas sejam construídas em encostas no Rio de Janeiro.
Ora, se o Estado nada faz para conter o crescimento desordenado da população em locais de risco, nada faz para impedir que os leitos dos rios alcancem o interior das casas, bem como nada faz para incutir na mente dos cidadãos que não podem viver em encostas e que não podem despejar lixo em leitos de rios, o Estado é responsável por omissão.
Remonta à era romana a discussão sobre a responsabilidade das pessoas sobre a ocorrência de um dano. Segundo Séguin (Forense, 2002, pág. 355), o termo responsabilidade é oriundo do latim red spondeo, que significa, em tradução livre, a capacidade de assumir as consequências dos atos ou das omissões, que pressupõe a ocorrência de um ilícito. Segundo lição básica, para haver responsabilização é necessário uma ação/omissão, um dano e o nexo de causalidade entre a ação/omissão e o dano experimentado.
Mesmo sabedor de tais aspectos, o Estado parece estar ainda na primeira fase da evolução da responsabilidade, qual seja: fase da Irresponsabilidade. Tal “irresponsabilidade” não pode ser aceita nos dias de hoje, pois era vigente à época dos governos absolutistas, na qual não se admitia o direito de ser indenizado por atos do governo sob máxima the king can do no wrong, ou, em tradução livre, o rei não erra.
De acordo com a nova ordem constitucional, o Estado é sim responsável pela omissão de seus agentes públicos, pois, como diz Gonçalves (Saraiva, 2003, pág. 178), a inércia do Estado pode causar prejuízos ao administrado, eis que quando devia agir não agiu, quando devia vigiar não vigiou, ou seja, não foi um “bonus administrador”.
Mas como o Estado deve agir, vigiar? O primeiro passo é oferecer educação ambiental para a população, devendo, se não o fizer — omitir-se — ser responsabilizado. É dever do Estado oferecer a educação ambiental, seja por mandamento constitucional (art. 225, §1, VI, da Constituição Federal de 1988), seja por mandamento infraconstitucional (art. 9 da Lei nº 9.795/99).
Ao incutir na mente da população a educação ambiental, modificam-se os valores e comportamentos e dissemina-se a ética da vida sustentável, conforme princípios já conclamados pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente.
O segundo passo é agir. O Estado deve praticar políticas com o intuito de inibir que os leitos dos rios sejam depósitos de toda sorte de lixo urbano. Não é uma política sábia somente a retirada dos dejetos dos rios; é preciso agir para que eles não cheguem aos rios.
Deve também praticar políticas eficientes para retirar todo e qualquer morador que residir em locais já sabidamente em risco. Para tanto, o Estado deve — se o caso — retirar o morador mesmo contra a vontade dele, demolir tal residência e alocar o cidadão em local digno, dando toda assistência possível.
Concluindo, não há dúvidas de que o Estado foi omisso, deixando que a tragédia acontecesse e, por isso, tal omissão é passível de responsabilização, pois, a uma, a educação ambiental como meio de preservar e prevenir eventuais danos não é implementada; a duas, não houve ação quando sabedor da situação de risco e nada fez e, por fim, é dever do Estado implementar ações visando que fatos como os narrados acima não ocorram e sua omissão, repita-se, é passível de responsabilização civil, quiçá criminal.
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