Valor Econômico
O governo de Hosni Mubarak apodrece à luz do dia nas ruas do Cairo e, salvo um banho de sangue que não deve ser descartado, as forças que pregam a democratização do país têm chances de ver realizadas suas aspirações. Há 30 anos no poder, Mubarak estava longe de parecer um cadáver político quando arquitetava, há poucas semanas, entregar o poder a seu filho Gamal. Protestos gigantescos e ininterruptos acabaram com o sonho do ditador, mas não está de forma alguma garantido que o reino dos militares, que vem desde 1952, termine, ainda que Mubarak seja despachado logo a algum desprezível museu de relíquias.
O Egito não é a Tunísia, que expulsou há pouco outro ditador que governava o país como um pária. É um aliado estratégico de primeira grandeza dos EUA e uma das poucas nações árabes que mantêm relações diplomáticas com Israel. A queda do regime ditatorial de Mubarak será um exemplo poderoso de rebeldia para a população de países vizinhos que têm regimes fechados iguais ou piores do que o egípcio. As causas da degeneração de um regime corrompido como o de Mubarak ou o de Ben Ali, na Tunísia, são facilmente discerníveis. Não há liberdade, os frutos do crescimento, quando existem, são arbitrariamente distribuídos, com os amigos do ditador controlando as principais riquezas, enquanto boa parte da juventude vive em um ócio forçado por desemprego massivo. No caso do Egito, a elite militar tem grandes privilégios em uma nação miserável. A aposentadoria não só permite que vivam com as regalias da ativa, com bons salários, hospitais e subsídios, como lhes permite o exercício do poder. Vários são indicados para dirigir cidades ou Estados, ou empresas que produzem de remédios a armas e utensílios domésticos. São sócios majoritários de um Estado pesado, onde a corrupção é moeda corrente. As eleições são absolutamente viciadas, com a oposição perseguida habitando as cadeias.
O futuro do Egito dependerá, é óbvio, da atitude dos militares, da posição dos EUA e da força dos movimentos de oposição que está nas ruas. A manobra de Mubarak não deu certo, apesar de ter sido coadjuvada por uma repressão que pode ter deixado 150 mortos e 4 mil feridos até agora. Demitiu seu ministério, composto por áulicos escolhidos a dedo. Como regimes ditatoriais são paranoicos, só diante do abismo Mubarak nomeou um vice-presidente, Omar Suleiman, o ex-chefe do odiado serviço secreto. Um ex-comandante da Força Aérea, Ahmed Shafik, foi indicado primeiro-ministro. Há todo um programa nessas ações. Parte dos militares, que sempre mandaram no país, estavam insatisfeitos com a indicação do filho de Mubarak para sucedê-lo nas eleições de setembro. Ao se cercar de militares, Mubarak, que não teria a quem mais recorrer, tenta passar uma ideia de força ao indicar que o poder armado está do seu lado. E se for irremediável sua saída, a continuidade constitucional seria a de Suleiman, tão distinto de Mubarak quanto sua sombra. A oposição está certa ao ver nessas jogadas a tentativa de continuidade do regime.
Os EUA, que torcem para que novos problemas não lhes surjam no Oriente Médio, são prisioneiros dos seus interesses, aos quais Mubarak sempre serviu. A retórica diplomática americana oscilou entre pressões suaves sobre Mubarak a algum alento à oposição. À medida que os protestos se radicalizavam, voltaram a apoiar o ditador com o aceno da miragem da democracia. Chegou perto do paroxismo. As autoridades dos EUA indicaram que é importante que eleições justas sejam feitas em setembro, quando se sabe que Mubarak fraudou todos os pleitos nos últimos 30 anos. Ao balançarem entre um regime em queda e novos movimentos em ascensão, os EUA não podem e não querem se desembaraçar de Mubarak.
O movimento espontâneo que surgiu como um turbilhão nas ruas terá de encontrar o canal das forças políticas organizadas para chegar ao poder. Até agora, desde a Irmandade Muçulmana até os movimentos políticos moderados, como o do partido Wafd e o do Nobel Mohamed El-Baradei, estão unidos no objetivo de derrubar Mubarak. Os vários grupos buscam formar frentes partidárias, com vistas ao nascimento de um governo de ampla coalizão para preparar as eleições de setembro. Desenha-se, entre alguns desses grupos, a ideia de uma Assembleia Constituinte, única saída para evitar a submissão ao atual Congresso títere. Mas obstáculos poderosos ainda têm de ser derrubados para isso.
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