segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Um Frank Wisner para cada época


Elio Gaspari 
O Globo 

O companheiro Obama misturou política externa e marquetagem. Resultado: quase queimou o filme do embaixador Frank Wisner, um dos melhores diplomatas de sua geração. No início da crise egípcia, mandou- o ao Cairo para conversar com Hosni Mubarak. Ele reuniu-se com o faraó no dia 2 e obteve o compromisso de que deixaria o poder depois da eleição de setembro. Para a multidão da Praça Tahrir, era pouco. Os marqueteiros da Casa Branca engrossaram o coro e a secretária de Estado, Hillary Clinton, informou que a transição deveria ser negociada com o vice-presid e n t e O m a r S u l e iman. Poucas horas antes, Wisner dissera o contrário, que a permanência de Mubarak era necessária. Ele sabia do que falava e acabou prevalecendo, mas deu à diplomacia americana um tom de Casa da Mãe Joana. Tamanho desencontro parece coisa do governo Bush.

Dentro de alguns meses se saberá o que aconteceu entre o dia em que Wisner voou para o Cairo e a hora em que ele trombou com Madame Clinton. Uma coisa é certa: nesse lance, o profissional é Wisner, até porque Mubarak continua no palácio. Aos 72 anos, aposentado, o embaixador é um laureado veterano. Nos anos 90, sem barulho, convenceu os russos a desmontar sua máquina de guerra bacteriológica. Em 2008, costurou o acordo da independência do Kosovo. Durante o governo Bush, tentou negociar um caminho para o programa nuclear iraniano. Deu em nada, assim como ninguém o ouviu quando avisou que a invasão do Iraque seria um erro.

Wisner tomou uma pedrada vinda da barafunda instalada na diplomacia americana. É um caos suprapartidário, reflexo do esgarçamento do aparelho decisório de Washington. Os serviços envolvidos na política externa expandiram - se, segregaram-se e acabam fazendo tanto a coisa (Mubarak fica) como o seu contrário (Mubarak sai). Em 2009, aconteceu algo parecido em Honduras , o n d e Obama denunciou o golpe e tolerou os golpistas.

Numa trapaça da História , sabe - se que todo mês Wisner preside uma mesa de velhos diplomatas reunidos para almoçar e trocar ideias no Metropolitan Club, em Nova York. Discutem política externa, mas não se fazem mesas como as de antigamente. Há mais de meio século, Washington era uma cidade provinciana e os grãoduques da diplomacia jantavam aos domingos na casa de seu pai e homônimo. Era uma mesa para ninguém botar defeito, com Dean

Acheson (secretário de Estado de 1949 a 1953), George Kennan (o formulador da teoria da contenção do império soviético) e, às vezes, Allen Dulles (o criador da CIA). Dela saiu a indicação de Frank Wisner para chefiar o braço clandestino do aparelho de inteligência dos EUA. Foi Wisner quem coordenou a derrubada da primeiro-ministro iraniano em Mossadeq, em 1953, e

do presidente gutemalteco Jacobo Arbenz, no ano seguinte. Pense-se na mão invisível da CIA até o fim dos anos 50 e lá estarão as digitais de Wisner, inclusive no estímulo às atividades dos árabes anticomunistas da Irmandade Muçulmana. (Deixou esse abacaxi para o filho, que foi embaixador no Egito de 1986 a 1991.)

Wisner misturava simpatia e tenacidade. O FBI o acusava de namorar uma princesa romena que seria agente russa. (Seu chefe, Allen Dulles, namorou a rainha da Grécia, que fora da Juventude Nazista.) Muita bebida e enormes obsessões destruíram-lhe os nervos até que, em 1965, aos 56 anos, matou-se com um tiro na cabeça.
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