“É apenas o fim do começo”
O criador do WikiLeaks diz que o vazamento de documentos sigilosos não vai parar.
Julian Assange recuperou a liberdade, pelo menos por ora. Na quinta-feira passada, ao sair em condicional da solitária “no porão de uma prisão vitoriana” (como definiu o cárcere londrino de Wandsworth), Assange louvou a resiliência de seu site – “O WikiLeaks é uma organização robusta. Durante meu confinamento solitário continuamos a publicar” –, acusou os Estados Unidos de persegui-lo – “Há algo muito errado com os EUA para que a investigação sobre mim e a minha organização tenha de ser conduzida em segredo” – e prometeu continuar a vazar documentos sigilosos. Os mais recentes divulgados pelo WikiLeaks revelaram que o Exército da Índia fez uso sistemático de técnicas de tortura na região da Caxemira, disputada pelo Paquistão.
Com a ajuda de entusiastas e patrocinadores ilustres, Assange pagou fiança de 200 mil libras (R$ 530 mil), encerrando nove dias de detenção. Vai ter de se apresentar todos os dias à delegacia, foi obrigado a entregar o passaporte e está usando um identificador eletrônico para evitar uma possível fuga. Ele vai aguardar os próximos passos do processo em uma mansão em Norfolk, na Inglaterra. É acusado de estupro e assédio sexual na Suécia, para onde pode ser extraditado.Também corre o risco de ir parar nos Estados Unidos, acusado de espionagem por ter vazado mais de 250 mil telegramas sigilosos da diplomacia americana.
A esta altura, porém, a situação pessoal de Assange já não é o maior dos problemas daqueles incomodados com os vazamentos do WikiLeaks. Quando Assange disse que “esse é apenas o fim do começo”, estava referindo-se a seu próprio caso, mas o episódio parece ser o primeiro de uma era de ativismo digital, em que atacar governos e grandes corporações com o vazamento de dados seria uma nova forma de protesto libertário. O principal movimento pró-WikiLeaks, o Anonymous (Anônimo), reuniu-se para inundar de acessos e tirar do ar os sites de empresas como Visa, MasterCard e PayPal – que deixaram de receber doações em nome do WikiLeaks – e da Amazon – que deixou de hospedar o site da organização.
Em um artigo publicado pelo jornal britânico The Guardian, Richard Stallman, um dos criadores do movimento do software livre, disse que a manifestação do Anonymous favorável ao WikiLeaks era comparável a um protesto de rua, só que on-line. Para Stallman, a polícia só consegue perseguir e prender os participantes porque a liberdade no mundo virtual é muito mais restrita que no “mundo real”. “No mundo físico, você pode comprar um livro com dinheiro, e ele pertence a você. Você é livre para dá-lo, emprestá-lo ou vendê-lo a outra pessoa”, diz Stallman. “Contudo, no mundo virtual, os leitores digitais têm ‘algemas digitais’ que os impedem de dar, emprestar ou vender um livro.”
Para o fundador do OpenLeaks, um ex-funcionário de Assange, o WikiLeaks perdeu o foco
Para escapar da repressão à ação no mundo digital, os integrantes do Anonymous abarrotaram as máquinas de fax nas empresas com os memorandos vazados pelo WikiLeaks e, em mais um passo em direção ao “mundo real”, estavam organizando o que batizaram de Operation PaperStorm (Operação Tempestade de Papel), em que voluntários imprimiriam e distribuiriam panfletos de apoio ao WikiLeaks.
As prisões de Assange e do militar americano Bradley Manning – acusado de vazar a maior parte das informações sigilosas divulgadas pelo site – fizeram dos dois os “mártires” desse novo ativismo digital. Ainda que não tenha criado um movimento consistente, Assange conquistou aliados, inimigos e gerou pelo menos uma dissidência: o OpenLeaks, criado por Daniel Domscheit-Berg, ex-funcionário de Assange. A nova organização, que deverá ser lançada em breve, afirma que não vai publicar diretamente na web as informações sigilosas obtidas por fontes anônimas: os dados serão checados por jornais e organizações não governamentais antes de vir a público. De acordo com Domscheit-Berg, o WikiLeaks se tornou muito autopromocional e deixou de focar as informações que obteve.
Assange disse que Domscheit-Berg foi expulso do WikiLeaks por mau comportamento e só criticou a organização por recalque. Mesmo que tenha razão, Domscheit-Berg tem um ponto quando afirma que o WikiLeaks e seu fundador estão fazendo mais barulho do que merecem as informações sigilosas reveladas até agora. Os sucessores do WikiLeaks têm uma chance de ser mais bem-sucedidos se corrigirem alguns de seus pontos fracos, como a falta de análise e checagem dos documentos publicados. Se isso acontecer, Assange será lembrado como iniciador de uma nova era de transparência digital, maior do que ele próprio poderia conceber.
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