O Estado de S. Paulo
Sempre que se fala neste tema vem à nossa mente a imagem de armas de guerras, as bombas jogadas em Hiroshima e Nagasaki, interesses atuais de muitos países em obterem a tecnologia da bomba, terrorismo, além dos acidentes nas usinas de Three Miles Island, nos EUA, e Chernobyl, na antiga URSS.
Passados alguns anos, a tecnologia avançou muito e a consciência sobre os cuidados no processo se ampliou ao mesmo tempo que a energia nuclear deixou de ser estigmatizada por ambientalistas - ainda há alguma resistência, mas focada no que veio a ser chamado de "lixo radioativo". Temos consciência de que, em larga medida, apesar do avanço tecnológico e da aceitação das usinas nucleares, o imaginário da humanidade ainda associa inadvertidamente a produção de energia elétrica de fonte nuclear a aqueles eventos. Infelizmente.
É importante chamar a atenção dos leitores de que as armas nucleares necessitam de enriquecimento de urânio a uma concentração maior que 95%, e poucos países têm condição de fazê-lo. Para a produção de energia elétrica nas usinas nucleares, o urânio precisa ser enriquecido a menos de 1% e somente três países dominam o ciclo do combustível. Não dá para confundir o uso pacífico na produção de energia elétrica e na medicina com artefatos de guerra.
O uso do combustível nuclear na medicina é comum atualmente. Muitos de nós, ao fazermos exames em aparelhos de imagem, não nos damos conta da exposição à radiação nuclear a que somos submetidos, e sem o menor perigo, pois todos os cuidados com a manipulação do combustível são rígidos e obedecidos e o descarte de materiais contaminados é observado com responsabilidade.
Nas usinas nucleares onde se produz energia elétrica as precauções são até mais severas, porque as quantidades de combustível nuclear são maiores e sua manipulação e guarda exigem maiores cuidados. Para tanto, entidades nacionais e internacionais estão sempre inspecionando as instalações e os procedimentos para observar o atendimento aos rígidos regulamentos e normas.
O fato é que hoje estão operando e produzindo energia elétrica em todo o mundo mais de 450 usinas nucleares. Estão em construção mais de 50 outras e há cerca de 480 usinas em planejamento, que deverão estar funcionando nas próximas décadas. Detalhe importante: sem produzir gases que ampliam o efeito estufa. A energia elétrica de fonte nuclear é complementar às fontes de energias renováveis e destaca-se destas por não produzir esses gases. Trata-se de uma vantagem insofismável dessa fonte no momento em que o aquecimento global está nas manchetes dos jornais.
No Brasil, apesar de termos uma das cinco maiores jazidas de urânio do mundo e sermos um dos três únicos países a dominar o ciclo do combustível, ainda engatinhamos na produção de energia elétrica nuclear. Construímos duas usinas e estamos a construir uma terceira, com o detalhe: elas estão entrando em operação a cada 15 anos. Se continuarmos nesse ritmo, não poderemos incluir essa fonte em nossa matriz de geração na velocidade que seria possível.
O governo decidiu tardiamente implantar mais quatro novas plantas nucleares com seis usinas padronizadas em cada sítio para produção de energia elétrica. O critério em curso para eleição desses sítios tem sido bastante rigoroso e técnico, e não poderia ser diferente. Sabemos que, apesar da decisão de construir as centrais, o hiato gerado pela descontinuidade do programa brasileiro fez com que os capacitados técnicos que dominam os processos estivessem hoje na faixa etária de 50 anos e com que os jovens se desinteressassem pelo setor em razão do seu imobilismo.
Cabe ao novo governo implantar medidas que viabilizem a geração elétrica nuclear de forma contínua e estratégica. Entre as principais medidas destacaríamos: a participação privada na geração de energia elétrica, sob a forma de concessão; e, pelo governo, a aceleração da formação de recursos humanos em programas específicos para o setor.
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