FOLHA DE SÃO PAULO
O primeiro passo para que fortaleçamos a democracia não é criar mais projetos, mas enxugar os já moribundos em nosso Poder Legislativo.
Encerradas as eleições, o grande vencedor foi o clamor por reformas.
Tributárias, eleitorais, trabalhistas, e assim vai. Estando descontentes com nosso mundo, queremos mudanças. Ou melhor: queremos escapar de nossa realidade. E qualquer promessa nos basta. Pior do que está não pode ficar, certo? Nem tanto.
Foi usando o refrão das reformas, no caso, para a criação de um imposto único, que criamos mais um tributo: o IPMF, que depois virou CPMF e que amanhã será CSS (e lá se foi o "P" de provisório).
Modificamos a lei dos crimes hediondos em 94, e hoje vivemos a violência resultante de lei que não incentivava a recuperação do criminoso, que em breve voltaria às ruas. Fundimos os crimes de atentado violento ao pudor e estupro em um só, em 2009, e passamos a liberar centenas de criminosos antes apenados pelos dois crimes, pois "esquecemos" de regulamentar o que aconteceria com eles.
E criamos neste ano a Lei da Ficha Limpa, modificada depois de apagadas as luzes, que transformou o processo eleitoral em uma roleta-russa que nem o STF conseguiu resolver.
Durante as eleições, vimos propostas de pequenos partidos para conseguir mais tempo de propaganda gratuita, mas sem que percebessem que o que propunham geraria resultado oposto ao desejado.
Há pouco, ouvimos uma campeã de votos defendendo o voto distrital sem sequer saber diferenciá-lo do voto em lista fechada, que dirá entender seus prós e contras.
Quando finalmente entendê-los, proporá o distrital misto, esse mantra da política brasileira. Aprovado, não resolverá um problema e criará um ainda maior, diluindo a representatividade das minorias sem aumentar a dos distritos.
Reformas são essenciais. Mas reformas inteligentes, pensadas.
Poucas e que gerem os efeitos desejados. Precisamos de legisladores que compreendam suas próprias propostas e suas consequências (inclusive as negativas, que sempre existem). De boas intenções, o Congresso está cheio.
E mais: precisamos de projetos íntegros, e não arremedos feitos com os retalhos de propostas antagônicas apresentadas ao longo dos anos, apenas para que finalmente saiam do papel.
Por fim, precisamos entender e acompanhar tais projetos. Propostas precisam ser analisadas e entendidas antes de serem aprovadas, e não remediadas pelos tribunais e criticadas por todos depois de se tornarem fatos consumados.
Mas, com milhares de projetos circulando em cada Casa, isso é impossível. Ninguém consegue analisar tantas leis.
Não há democracia com Legislativos nas três esferas aprovando dezenas de projetos em uma tarde.
O primeiro passo para fortalecer nossa democracia não é criar mais projetos, mas enxugar os já moribundos em nosso Legislativo.
Só assim legisladores e cidadãos poderão acompanhar, entender e debater os projetos antes que eles sejam aprovados.
Países como o Reino Unido encontraram solução simples para focar o debate: todo projeto não aprovado até o fim do ano legislativo é automaticamente arquivado.
Talvez esteja aí uma boa reforma.
*GUSTAVO ROMANO, 36, professor de direito da Folha há 11 anos e fundador do projeto Para Entender Direito (www.ParaEntenderDireito.org), é mestre em direito por Harvard (EUA), em ciências políticas pela UFMG e em administração pela London Business School.
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