Multiplicam-se em vários países as manifestações públicas contra a prisão do fundador do site WikiLeaks, detido em Londres sob a acusação de abuso sexual. Embora esse seja o motivo alegado, a interpretação geral é de que a ação contra o australiano Julian Assange resulta de uma estratégia de censura promovida por governos e grandes grupos empresariais incomodados com o vazamento de informações confidenciais. Seria imprudente antecipar-se às investigações sobre o caso, até porque ainda são nebulosas as informações a respeito da provável culpa ou inocência de Assange. O que importa e está claramente expresso na mobilização, através de protestos nas ruas e na internet, é a aceitação por uma parcela da sociedade do WikiLeaks como uma inovadora e ousada expressão da liberdade de informação neste início de século.
Criado para dar acolhida ao vazamento de informações sigilosas, o site transformou-se em fenômeno mundial ao tornar públicos documentos da diplomacia de grandes potências, em especial os Estados Unidos. A divulgação de relatórios confidenciais expôs a ambiguidade entre os discursos e os atos concretos das relações entre países. Assim, o mundo ficou sabendo que, sob argumentos categóricos em defesa do interesse nacional, as nações fazem transitar informações ditas diplomáticas que em nada combinam com a macia fala dessa diplomacia.
Foi também o WikiLeaks que deu publicidade a vídeos e documentos com evidências de crimes de guerra cometidos pelos Estados Unidos no Iraque, no Afeganistão e no Iêmen, além de uma série de relatórios governamentais que põem em xeque o sempre presente confronto entre os fins e os meios, em especial em conflitos bélicos. Todo esse arsenal, mantido em segredo, transformou-se em arma contra os próprios governos e provocou reações na mesma dimensão do impacto provocado a partir do vazamento das informações.
As restrições também merecem consideração. Argumenta-se com frequência que o site apenas divulga documentos de democracias, na tentativa de desqualificar sua capacidade de prospectar também os arquivos de governos autoritários. Levanta-se também contra as ações do WikiLeaks o temor de que o acesso a documentos confidenciais da área militar pode pôr em risco a segurança, não só dos Estados Unidos, mas também de seus aliados. Completando as reações críticas, erguem-se suspeitas de que o site age, com interesses escusos, em nome de organismos de espionagem.
Mesmo que não se tenha ainda clareza da estrutura de sustentação do site, nada autoriza desmerecer o WikiLeaks como ideia e como atitude em defesa do direito de todos de saber como agem os governos, nos bastidores da diplomacia ou da guerra. Cabe aos governos, e não ao site ou à imprensa, proteger informações que consideram confidenciais. Eventuais desvios nessa empreitada devem, portanto, ser vistos na sua real dimensão, ou seja, como exceções.
O atrevimento de Julian Assange é seu grande mérito, no sentido de manter atentos não só os governos, mas também os veículos tradicionais de comunicação, seus aliados na divulgação dos documentos e conscientes da responsabilidade de editar em sintonia com os interesses da sociedade. Além de satisfazer a demanda do público pelo conhecimento dos bastidores do poder, o WikiLeaks contribui para que o jornalismo não submerja na inércia da mesmice, da repetição de denúncias e na acomodação das versões oficiais. Revigora-se, com os serviços prestados pelo australiano, o direito de saber.
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