quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

O G-20 e a economia global

Jeffrey D. Sachs
Valor Econômico

O encontro de cúpula do G-20 em Seul foi notável para o crescente peso das economias emergentes. Ela não só estava instalada em uma, como, de muitas maneiras, também foi dominada por elas.

Em duas áreas cruciais, macroeconomia e desenvolvimento econômico, prevaleceu a opinião das economias emergentes. E uma excelente proposta para vincular as duas agendas, de macroeconomia e desenvolvimento, surgiu a partir da cúpula e deve ser implantada em 2011.

Uma característica fundamental da economia mundial hoje é que ela está se movendo em duas velocidades. Os Estados Unidos e grande parte da Europa continuam atolados nas sequelas da crise financeira que irrompeu em 2008, com desemprego elevado, baixo crescimento econômico e prolongados problemas no setor bancário. Os mercados emergentes, porém, de forma geral superaram a crise. Considerando que 2009 foi um ano duro para a economia global inteira, os mercados emergentes se recuperaram solidamente em 2010, ao passo que os países ricos não se recuperaram.

Dados recentes do Panorama Econômico Mundial do Fundo Monetário Internacional (FMI) contam outra história. Em 2010, países de alta renda deverão alcançar modesto crescimento anual do Produto Interno Bruto (PIB), de cerca de 2,7%, enquanto as economias emergentes do G-20, junto com o resto do mundo em desenvolvimento, deverão crescer à taxa robusta de 7,1%. As economias em desenvolvimento da Ásia estão em franca expansão, com crescimento de 9,4%. Estima-se que a América Latina cresça a 5,7%. Até a África Subsaariana, a tradicional retardatária, deverá cresçer a 5% em 2010.

Essa economia global a duas velocidades reflete, na sua maior parte, o fato de que a crise financeira começou com o excessivo endividamento praticado pelos países ricos. Duas economias de alta renda se envolveram em problemas. Os EUA, onde as famílias insolventes, ajudadas por concessões de empréstimo temerárias, tomaram crédito pesadamente para comprar casas e carros, foram os principais culpados. A periferia da União Europeia (UE), Irlanda, Portugal, Espanha e Grécia, também começaram a tomar empréstimos de forma desenfreada há uma década, ao se incorporarem ao euro, alimentando uma expansão imobiliária que igualmente implodiu.

As economias emergentes, na sua maioria, evitaram esse desastroso excesso de endividamento. Um motivo, certamente, foi a lembrança eloquente na Ásia da crise financeira de 1997, que ressaltou a necessidade de impor limites sobre tomadas de empréstimos bancários e influxos de capital. De modo geral, as economias emergentes asiáticas foram administradas de forma mais prudente durante a década passada. O mesmo pode ser dito a respeito do Brasil, que aprendeu com a sua própria crise em 1999, bem como a África e outras regiões.

Nos preparativos para a cúpula de Seul, o governo dos EUA apresentou uma proposta, de que as regiões superavitárias do mundo deveriam elevar sua demanda interna - principalmente consumo - para estimular as importações e, portanto, ajudar as regiões deficitárias (incluindo os EUA) a se recuperarem. As economias emergentes do G-20 não ficaram impressionadas. A resposta delas foi direta: a crise começou com o excesso de tomadas de empréstimo dos EUA, portanto, é a responsabilidade dos EUA, não deles, limpar a bagunça. Os EUA deveriam cortar o seu déficit orçamentário, aumentar sua taxa de poupança e, de forma geral, arrumar a sua própria casa.

As economias emergentes reagiram de forma semelhante a uma segunda iniciativa dos EUA, o chamado - afrouxamento quantitativo - do Federal Reserve (Fed, banco central do país). As economias emergentes mais uma vez falaram praticamente em uníssono. Elas disseram aos EUA que não estimulassem a base monetária artificialmente, já que isso poderia gerar o risco de provocar outra bolha financeira, dessa vez nas economias emergentes e nos mercados de commodities. Mais uma vez, a mensagem clara dirigida aos EUA foi a de parar de usar expedientes como estímulo fiscal ou imprimir dinheiro e, em vez disso, empreender uma reestruturação séria de prazo mais longo para incentivar a poupança, o investimento e as exportações líquidas.

Da sua parte, as economias emergentes queriam mudar o assunto, de estímulo e desequilíbrios macroeconômicos de curto prazo para temas de desenvolvimento de prazo mais longo. O governo anfitrião, a Coreia do Sul, foi especialmente dinâmico nesse tópico. Exortou os membros do G-20 a se concentrarem em desafios como o cumprimento das Metas de Desenvolvimento do Milênio das Nações Unidas, elevação da produção agrícola, e construção de infraestrutura sustentável nas economias em desenvolvimento. Essa foi a primeira vez em que temas de desenvolvimento de longo prazo foram colocados de forma tão clara na pauta do G-20, e isso é um indício do crescente peso geopolítico dos membros de mercados emergentes no grupo.

Existe uma maneira de tirar proveito das altas taxas de poupança dos países superavitários. Em vez de pressionar suas famílias a consumirem mais, o G-20 deveria se empenhar para canalizar essas poupanças aos países mais pobres para financiar urgentemente investimentos necessários em infraestrutura.

O premiê da Índia, Manmohan Singh, observou que a África Subsaariana está agora numa posição de absorver mais influxos de capital para construir infraestrutura. Ele recomendou que os superávits do G-20 sejam reciclados para países pobres, para financiar esses investimentos. - Em outras palavras - , disse Singh, - precisamos alavancar desequilíbrios de um tipo para reparar desequilíbrios do outro tipo -.

Ao canalizar as poupanças de China, Alemanha, Japão e outros países superavitários em investimentos de infraestrutura nos países pobres, as economias do mundo estariam trabalhando verdadeiramente em harmonia. É bem possível que a Cúpula de Seul do G-20 possa ter iniciado esse processo importante.
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