Gabriel Caprioli
Correio Braziliense
Em novembro, os brasileiros gastaram US$ 868 milhões por dia em produtos provenientes do exterior. Recorde de US$ 17,3 bilhões nas importações resulta no menor saldo da balança comercial desde janeiro. Para o governo, aumento na demandavemda indústria, que estaria adquirindo mais insumos, mas o setor teme sucateamento e desemprego.
Desvalorização do dólar faz com que compra de produtos no exterior atinja US$ 17,3 bilhões em novembro, ou US$ 868 milhões por dia. A onda já causa desemprego e afeta fábricas
O dólar barato em relação ao real e a morosidade do governo em adotar medidas para aumentar a competitividade da indústria brasileira estão escancarando as portas do país a todo o tipo de produto. No mês passado, as importações bateram recorde e somaram US$ 17,376 bilhões, com desembarques diários médios de mais de US$ 868 milhões. Entre janeiro e novembro, as compras externas ultrapassam US$ 166 bilhões. A invasão de produtos importados resultou no menor saldo da balança comercial (diferença entre as compras e as vendas externas) desde janeiro — apenas US$ 312 milhões —, mas este não é o único motivo de preocupação no mercado doméstico.
A Confederação Nacional da Indústria (CNI) vem alertando diariamente para o perigo de sucateamento do parque produtivo brasileiro, uma vez que fica cada vez mais barato importar produtos prontos no lugar de manter fábricas funcionando. O temor é de que a substituição dos produtos nacionais leve a demissões, com efeitos devastadores no setor. E o perigo é real. Em setembro, o emprego industrial interrompeu uma trajetória de oito meses consecutivos de alta, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A justificativa para a paralisação nas contratações foi a concorrência provocada pelos importados.
Para o diretor de Planejamento da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic), Roberto Dantas, o salto nas importações foi maior do que o esperado. Ele atribui o avanço à continuidade das compras de bens de capital (maquinário) e insumos, movimento decorrente do aumento de investimento e produção. Os números do governo, no entanto, mostram que entre os principais itens trazidos de outros países aparecem equipamentos elétricos e eletrônicos, cujas compras aumentaram 1,2% entre outubro e novembro e 25,5% na comparação com novembro de 2009. Também estão relacionados automóveis (alta de 5,5% no mês) e até leite e seus derivados, com um expressivo crescimento de 66% somente no mês passado.
Desafio
No conjunto de produtos classificados por finalidade, a compra de bens de consumo avançou 41,1% no mês passado, enquanto a de matérias-primas e intermediários subiu 40,8%. Nessa comparação, os bens de capital registraram alta de 39,8% e os combustíveis, 70,6%. O cientista político e professor da Fundação Getulio Vargas Fernando Abrucio afirmou ontem, em um seminário promovido em São Paulo, que um dos maiores desafios da presidente eleita, Dilma Rousseff, será lidar com o cenário externo, menos favorável atualmente e nos próximos anos do que foi durante todo o período da gestão de Lula.
Todavia, apesar da explosão de importações, o Brasil pode voltar aos níveis pré-crise (2008) de exportações. O Mdic elevou de US$ 195 bilhões para US$ 198 bilhões a previsão de embarques de produtos para outros países neste ano. “As exportações surpreenderam. Como falta um mês (para encerrar o ano), a gente tem a expectativa de aumentar nesse patamar”, afirmou Dantas. As exportações somaram US$ 17,688 bilhões em novembro e US$ 180 bilhões no acumulado do ano. Na avaliação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), os dados publicados pelo ministério mostram que a possibilidade de ter deficit comercial este ano deixou de ser improvável.
Carro com aço de fora
Marta Vieira
Daniel Camargos
O mesmo dólar barato que mina a capacidade de competição do carro brasileiro no exterior e no mercado interno serve de arma para as próprias montadoras recorrerem às chapas de aço importadas da China e da Coreia. O avanço da matéria-prima importada nas fábricas de automóveis tornou-se “uma questão de competitividade”, alegou o presidente da Fiat para a América Latina e da Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), Cledorvino Belini. A montadora italiana estaria concluindo neste mês a compra, para sua unidade em Betim (MG), de 20 mil toneladas de chapas. A operação, no entanto, não foi confirmada pela empresa, que se limitou a informar que o percentual de importações é “ainda pequeno”.
A Volkswagen também tem recorrido aos preços mais baixos das chapas de aço importadas como parte da estratégia de reduzir os custos de produção. O presidente da companhia, Thomas Schmall, já chegou a afirmar que a empresa deve fechar 2010 com uma participação de 30% de aço estrangeiro em suas linhas de produção. Esse percentual era de 10% no ano passado. As políticas das montadoras afetam em cheio fornecedores nacionais, com Usiminas e Companhia Siderúrgica Nacional (CSN). Há estimativas de que as chapas chinesas e coreanas são ofertadas a preços 40% menores que o produto nacional. A diferença é atribuída pelo Instituto Aço Brasil (IABr) e por executivos de siderúrgicas às vantagens fiscais e cambiais dos concorrentes, somadas ainda aos pesados custos internos provocados por carga tributária elevada e infraestrutura deficiente.
Disparada
Belini ouviu na terça-feira do governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia, que o risco de desindustrialização do setor siderúrgico preocupa. “Desejamos sempre que a nossa política econômica acolha essa indústria nacional, sem protecionismo exagerado, sem mecanismos ultrapassados, mas que dê, claro, competitividade à nossa indústria”, disse o governador ao empresário. A disparada das importações de aço, segundo Anastasia, é o caso mais emblemático do estímulo da sobrevalorização do câmbio no Brasil. Só em outubro, conforme estatística mais recente do IABr, as importações de aços planos (usados na indústria automobilística) dispararam 375% frente ao mesmo mês do ano passado, somando 483,6 mil toneladas.
Cerca de 60% do peso do automóvel corresponde à chapa de aço, o que mostra que a matéria-prima é fundamental na definição dos preços ao consumidor final. Mas quem define os preços do carro, sustenta Belini, é o mercado. As siderúrgicas negociaram com o governo federal medidas para conter a penetração dos importados, como a valoração aduaneira; pediram dura fiscalização contra o subfaturamento e as fraudes; e apelaram para medidas antidumping. “Precisamos decidir qual país a gente quer ter”, apelou Marco Polo Lopes, presidente executivo do IABr. Nas contas do presidente da Usiminas, Wilson Brumer, o país encerrará 2010 com a importação de 5 milhões de toneladas de aço, volume equivalente a toda a produção da usina mineira.
Estímulos à infraestrutura
» Novas medidas de estímulo ao crédito de longo prazo, visando a viabilizar megaprojetos de infraestrutura, deverão ser anunciadas em até 15 dias. A expectativa inicial era que o pacote fosse anunciado hoje, mas o governo ainda está finalizando as análises e precisa definir como fará desonerações em alguns instrumentos de aplicação de longo prazo. No pacote, estão previstas, entre outras decisões, a criação de uma debênture para projetos específicos livre de Imposto de Renda, estímulos tributários para aplicações de prazos mais longos de aplicação e possível redução do compulsório sobre poupança para elevar os financiamentos de imóveis. O governo estuda ainda autorizar a emissão de Letras Financeiras pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) como forma de a instituição captar recursos no mercado e depender menos do Tesouro Nacional.
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