O Estado de S. Paulo - 13/12/2010
Não sabendo que a razão entre a dívida pública e o Produto Interno Bruto (PIB) era mais baixa do que revelavam as estatísticas oficiais - e que viria um choque externo favorável e duradouro -, os mercados temiam, entre 2002 e 2003, que se seguisse uma explosão dessa mesma razão, mesmo sob o efeito das reformas aprovadas na gestão anterior.
Naquela época se trabalhava com uma dívida inicial de 50% do PIB; o custo real implícito da dívida oscilava entre 10% e 11% ao ano; e se estimava um crescimento real sustentável do PIB ao redor de 2,7% ao ano. Com isso, o superávit primário (excedente de caixa antes de pagar juros) requerido para estabilizar a razão dívida/PIB era próximo de 4% do Produto Interno Bruto. Como os superávits observados eram menores do que essa marca, concluía-se que a razão dívida/PIB tenderia a continuar crescendo para sempre.
O temor de um eventual governo do PT repudiar a dívida pública provocava fuga de capitais. Se tivéssemos partido de uma razão dívida/PIB de 45%, e se soubéssemos que os juros iriam cair (com o crescimento sustentável passando de 2,7% para 4,5% ao ano), era fácil prever, ao contrário, que a razão dívida/PIB cairia sistematicamente até alcançar níveis abaixo de 40% no final de 2008.
Só se soube depois, mas de fato: 1) o valor estimado para o PIB continha um erro de 10% para menos (cuja correção garantiria a queda da razão dívida/PIB inicial para 45%); e 2) o mundo inundaria o País de dólares, levando à redução das taxas de juros e à ampliação dos prazos de financiamento, além de permitir a redução a zero da dívida pública de origem externa, que hoje se transformou em crédito. Um sério problema dessas projeções da razão dívida/PIB é a alta sensibilidade dos resultados a qualquer mudança dos parâmetros envolvidos nos cálculos.
O papel do ministro Antonio Palocci foi decisivo naquela difícil transição, por seu empenho em dobrar a aposta no equacionamento do problema da dívida pública sem quaisquer estripulias, a despeito das baixas chances de sucesso. Além disso, apoiou a realização de uma reforma da previdência dos servidores públicos, difícil tarefa que tomou todo o ano de 2003, e sob a qual: 1) os servidores inativos passaram a pagar uma contribuição sobre seus rendimentos (algo que o governo precedente não conseguiu aprovar); e 2) alterou-se a Constituição para permitir igualar o seu regime ao dos empregados das estatais (ou seja, os servidores públicos seriam regidos como no INSS até o teto e, depois, teriam de contribuir para fundos de previdência complementar).
Sem o apoio de Lula, o efeito Palocci obviamente não existiria. Lula, inclusive, demonstrou seu forte apoio ao ministro em várias reuniões do Conselho de Desenvolvimento Econômico de que participei, quando o "fogo amigo" tentava de todas as formas tirar-lhe o tapete. Ao apoiar as propostas de reformas microeconômicas gestadas por seu secretário Marcos Lisboa, Palocci tornou possível uma maior expansão de vários segmentos, notadamente o de crédito imobiliário.
A transição Lula-Dilma se dá sobre águas tranquilas. O gigantesco estoque de reservas em dólares é algo inédito no País. Passamos com nota alta no exame da atuação pós-crise imobiliária. Alguma preocupação com o risco de insolvência pública tem voltado à cena, mas hoje o "x" da questão fiscal tem que ver com o combate à inflação. Sem um maior controle da expansão da demanda agregada oriunda do setor público, é difícil evitar que o Banco Central, para viabilizar metas de inflação, deixe de subir a taxa de juros Selic de tempos em tempos. Aliás, mais uma subida está "pintando"...
O grande desafio que se coloca à frente é a revisão do modelo de crescimento dos gastos correntes que tem vigorado desde a edição da Constituição de 1988, que tende ao esgotamento. Dito de outra forma, trata-se de modelo de queda progressiva da taxa de poupança interna, especialmente no setor público, que, por consequência, coloca a expansão do investimento (e das possibilidades de produção interna) em situação de baixa prioridade, algo que deve mudar.
Precisamos avaliar - cautelosamente, é óbvio - os avanços realizados e as falhas existentes na forte expansão dos chamados gastos sociais. Mais do que isso, é preciso rever a política de pessoal, com vistas a gastar menos e produzir mais. Sem o que será impossível reduzir a incidência de tantos impostos complicados, compensando-os não só com maior grau de formalização, mas também pela troca por impostos menos prejudiciais à economia.
Atenção especial deve ser dedicada à baixa qualidade da gestão pública. Não adianta destinar mais recursos a determinados ministérios, porque a baixa qualidade de gestão impede a implementação de projetos relevantes.
A volta de Antonio Palocci ao centro da administração federal traz nova esperança ao governo que representa continuidade do atual, e deve-se louvar a nova presidente por essa e por outras iniciativas alvissareiras, como a de sinalizar imediato esforço de ajuste das contas públicas em sua esfera de atuação. (Depois falarei sobre os desafios para os novos governadores.)
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