Valor Econômico
África: Setor agrícola é o que mais busca negócios no país, que vive expectativa de uma possível divisão.
À primeira vista, o Sudão parece um lugar inóspito para os negócios. Seu presidente é procurado pelo Tribunal Penal Internacional sob acusação de genocídio; mais de um 1,5 milhão de pessoas morreram em guerras internas recentes e em um mês um referendo pode levar à divisão de seu território, num processo capaz de produzir novos traumas.
Mesmo num ambiente tão impróprio para empresários, pelo menos oito empresas brasileiras já têm ou buscam contratos no Sudão. Elas seguem os passos de companhias de outros países, que, por cima dos escombros e das marcas das guerras, tentam ganhar dinheiro com as riquezas sudanesas. O movimento se intensificou depois do acordo de paz de 2005 - que embora frágil, fez o país respirar.
O Sudão é rico em petróleo, em gás e em ouro. É rico também em terras agricultáveis, o que tem atraído atenção especial de empreendedores pelo mundo, em particular dos brasileiros. Para muitos analistas, o país pode se tornar em alguns anos um fornecedor-chave de alimentos para o árido Oriente Médio.
Sauditas e chineses já cultivam áreas no país para abastecer suas populações. Australianos e indianos fornecem equipamentos para o agronegócio. Do Brasil, pelo menos oito empresas, só do setor agrícola, têm contratos ou negociam com o governo federal em Cartum - que fica no norte - vendas de serviços e produtos, segundo o empresário Paulo Hegg, do Laticínios Tirolez. Paralelamente à empresa, Hegg atua desde o início da década como um intermediador entre o governo e empresas sudanesas e empresas brasileiras.
A Vale, disse uma fonte diplomática que acompanha as relações com o Sudão, iniciou contatos para avaliar investimentos no país. Consultada, a empresa disse que não faria comentários. "Construtoras e fabricantes de equipamentos para obras civis do Brasil também estão começando a buscar contratos no país", diz Hegg.
Nos últimos meses, entretanto, a expectativa sobre a possibilidade de criação de um Estado independente do sul do país tem deixado muitos negócios e planos dos empresários na geladeira.
"Nosso projeto está suspenso", disse Celso Procknor, da Procknor Engenharia, empresa de projetos de usinas de açúcar e etanol, que está no país desde 2008. Naquele ano, a empresa fechou um contrato com a gigante sudanesa de Kenana e projetou uma usina de açúcar e álcool a 200 km da capital, Cartum. Quem ficou com o contrato para fornecer as peças e os equipamentos foi uma empresa da Índia. "O problema, segundo ouvimos dos próprios sudaneses, é que os fornecedores - no caso os indianos - parecem estar com receio de enviar o material por causa dessa situação política." A empresa está negociando outros dois contratos, diz Celso Prockner. As conversas também estão à espera do que ocorrerá em 9 de janeiro.
É essa a data marcada para a realização do referendo na região sul no qual sua população decidirá se o Sudão permanece unificado ou se deve se cindir em dois. A consulta é um instrumento previsto pelo acordo de paz para tentar selar de vez o fim de anos de conflitos entre o norte islâmico e o sul cristão e animista. Conflitos que ao longo de anos fizeram 1,5 milhão de mortos. Só na região de Darfur, foram 200 mil e mais de 2 milhões de pessoas que tiveram de fugir de suas casas. Uma das piores crises humanitárias da história recente que levou o Tribunal Penal Internacional a acusar o presidente sudanês, Umar al-Bashir, por genocídio e crimes de guerra contra os sudaneses não muçulmanos.
O risco visível do dia 9 é de um eventual processo de separação conturbado. Isso assusta países da região porque poderia levar a choques internos e, consequentemente, a uma fuga em massa de sudaneses para as nações vizinhas. Um grupo de economistas europeus e africanos, da Frontier Economics, estimou em novembro que o custo de uma nova guerra civil seria, para o Sudão e para os vizinhos, de US$ 100 bilhões. Para os empresários, um processo de separação mal conduzido também tenderia a paralisar seus negócios.
Mas no cenário mais otimista, uma divisão poderia render novas oportunidades. "Tudo indica que vai haver uma separação e a agricultura passará a ser fundamental para gerar riqueza, emprego e renda no norte", acredita Everardo Mantovani, um dos proprietários da empresa de gestão de irrigação, Irriger, de Belo Horizonte, que trabalha no Sudão desde 2008 e tem um escritório em Cartum.
A expectativa se baseia no seguinte: a principal receita de divisas do país é o petróleo. A produção diária é de 490 mil barris, mas 70% vem do sul. Com uma separação, o norte teria de encontrar formas de compensar as perdas para sua economia. E segundo o governo sudanês, agricultura extensiva, produção de biocombustíveis, mineração, energia e infraestrutura são algumas das opções que com potencial para crescer. São negócios que o Brasil conhece.
"Até 30 anos atrás, os europeus eram os principais parceiros do Sudão. Mas nesses 30 anos, temos mudado gradualmente para a China", disse ao Valor no fim de novembro o ministro dos Negócios Estrangeiros do Sudão, Ali Karti. "Eles [os chineses] tem plantações, cooperações com empresas de petróleo, construção, estão agora explorando possibilidades em cooperação na agricultura. E agora acho que os brasileiros têm chances e eu estou certo que rapidamente veremos mais empresas brasileiras no Sudão."
O grupo Sermatec, de Sertãozinho (SP), fabricante de usinas e equipamentos para o setor sucroalcooleiro está na fila. A empresa obteve seu primeiro com Cartum para construir uma usina de açúcar e álcool de US$ 420 milhões - dos quais espera vender até 70% deste valor em peças, diz seu presidente, Antonio Carlos Christiano. O negócio depende da liberação de um financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). E do dia 9. "Tenho certeza que o país vencerá essa fase política."
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