domingo, 2 de janeiro de 2011

Ciberataques viram parte importante do arsenal dos governos

Ian Bremmer, Parag Khanna
Herald Tribune

2010 foi o ano em que ninguém mais continuou a duvidar de que a cibersegurança seja atualmente um problema geopolítico.

Nós descobrimos, a partir das mensagens sigilosas diplomáticas expostas pelo WikiLeaks que, na Europa, no Oriente Médio, na China e outras regiões, Washington está encontrando ainda mais dificuldades do que se imaginava para conseguir aquilo que deseja. Os próprios vazamentos só tornaram os problemas mais delicados, não só por embaraçarem alguns amigos dos Estados Unidos, mas ao alimentarem teorias de conspiração segundo as quais Washington é, de alguma maneira, responsável pela divulgação das informações.

Mas o caso WikiLeaks esteve longe de ser a única ciberhistória de 2010. O desentendimento entre o Google e a China, a briga envolvendo aparelhos BlackBerry na Índia e no Golfo Pérsico, e a súbita aparição em julho de um vírus chamado Stuxnet que parece ter atacado e provocado estragos nas instalações nucleares do Irã também foram manchetes.

Nós descobrimos também que ciberataques não são mais uma arma de pequenos criminosos e adolescentes. Esses ataques são agora uma parte importante dos arsenais nacionais. De fato, o WikiLeaks mostrou que um cibervilão pode ser tão difícil de descobrir e tão descentralizado quanto a Al Qaeda. Realmente, conforme ocorre no caso da Al Qaeda, o problema do WikiLeaks permanecerá convivendo conosco durante anos. Isso poderia ser apenas uma indicação daquilo que está por vir.

Osama Bin Laden provavelmente jamais será capturado vivo, mas infelizmente para a diplomacia dos Estados Unidos, o fundador do WikiLeaks, Julian Assange, provavelmente passará muitos dias em tribunais. Se ele for levado a julgamento nos Estados Unidos, alguns o definirão como o primeiro cibermártir do mundo. Ao contrário de Bin Laden, muitos norte-americanos se referem a ele primariamente como uma curiosidade ou até mesmo como um herói da liberdade de expressão. Os seus confederados – mas também legiões de hackers inspirados no WikiLeaks – defenderão essa liberdade com ainda mais atos de cibervingança. Eles poderão fazer disso uma causa comum.

Em outras palavras, até agora Washington temia que terroristas se tornassem hackers. Mas daqui para frente, talvez todos nós devêssemos temer que hackers se tornem terroristas.

Além disso, as informações do WikiLeaks sobre a política externa norte-americana terão consequências para as relações internacionais. O Paquistão provavelmente está por trás da retirada de Islamabad do chefe regional da CIA, que foi imediatamente mandado de volta para casa. E o mais preocupante, tendo em vista os seus vínculos tradicionais com Israel, é que a decisão do governo argentino de juntar-se ao Brasil no reconhecimento de um Estado palestino independente foi provavelmente uma resposta, pelo menos em parte, a uma mensagem vazada na qual a secretária de Estado Hillary Clinton questiona a saúde mental da presidente Cristina Fernàndez de Kirchner. Os danos provocados na relação entre os Estados Unidos e a Argentina provavelmente serão duradouros.

Além disso há os riscos que o WikiLeaks representa para as corporações. Quando as multinacionais baseadas nos Estados Unidos, Master Card e PayPal, concordaram com as exigências do governo norte-americano de bloquear as transações financeiras do WikiLeaks, elas sofreram rapidamente ataques do tipo “negação de serviço” por parte de hackers simpáticos à organização de Assange. Como resultado, essas companhias e outras como elas dependerão cada vez mais de governos para informações sobre (e proteção contra) tais ataques. Antigamente, a disposição das empresas a fornecer dados sensíveis ao governo dos Estados Unidos não tinha grandes consequências para essas firmas, porque elas não tinham ainda que enfrentar um poderoso ciberinimigo capaz de lançar ataques sofisticados.

Mas o grupo “Anônimos”, a organização que retaliou contra as ameaças a Assange, parece ser bem mais capaz.

As implicações desse problema para as companhias multinacionais poderiam ser mais limitações à própria globalização. Se as empresas começarem a buscar abrigos com a construção de comunidades online fechadas e isoladas da super-autoestrada da informação, deslocando-se para intranets seguras, poderá ser mais difícil obter informações. E, à medida que as empresas de tecnologia procurarem com mais frequência a proteção das agências governamentais de segurança, as vendas globais e os planos de expansão passarão a depender ainda mais das regras que regem a segurança nacional.

Até o momento, o WikiLeaks não divulgou nenhum segredo industrial significante, mas, tendo em vista o foco nas mensagens diplomáticas norte-americanas, esse fato simplesmente nos faz lembrar que as embaixadas norte-americanas desempenham um papel comparativamente pequeno na promoção do comércio dos Estados Unidos. Se um conjunto similar de mensagens sigilosas fosse vazado do governo francês ou japonês, a consequência comercial seria bem maior. É por isso que pode não demorar muito tempo até presenciarmos vários vazamentos – mensagens roubadas de governos ou companhias – que deixem os mercados em pânico, derrubem os preços das ações e até prejudiquem e enfraqueçam um cartel como a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep). Conforme demonstra o drama contínuo em torno de Julian Assange, os governos terão dificuldades para lidar com esse tipo de problema. Mas, para uma corporação, até mesmo muito rica, os desafios serão muito maiores.

Em 2010, o WikiLeaks elevou a liberdade de informação a um patamar totalmente novo. Mal podemos imaginar as consequências que presenciaremos em 2011.

(Ian Bremmer é presidente do Grupo Eurasia e autor dos livros “The End of the Free Market: Who Wins the War Between States and Corporations?”/ “O Fim do Livre Mercado: Quem Vence a Guerra entre Estados e Corporações?” e “The Second World: Empires and Influence in the New Global Order”/ “A Segunda Guerra: Impérios e Influência na Nova Ordem Global”)
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