Apesar de aparentemente fora do contexto, esta relação diplomática com forte viés ideológico nos trará problemas no futuro.
Enquanto não se focar o relacionamento dos governantes brasileiros e seu comprometimento com o Foro de São Paulo estes eventos não serão adequadamente entendidos.
___________________________Enquanto não se focar o relacionamento dos governantes brasileiros e seu comprometimento com o Foro de São Paulo estes eventos não serão adequadamente entendidos.
José Meirelles Passos
O Globo
Americanos condenaram líder por laços com esquerdistas e reação à ocupação de refinaria da Petrobras
Diplomatas americanos demonstraram grande apreensão em relação ao governo do Brasil, vislumbrando uma simpatia à esquerda radical da região, com base em dois fatos na vizinha Bolívia: a eleição de Evo Morales à Presidência do país, sob o patrocínio de Hugo Chávez, da Venezuela, e aplausos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. E, pouco depois, quando tropas bolivianas ocuparam uma refinaria da Petrobras, em Santa Cruz de la Sierra, e Lula reagiu a isso de forma branda.
"Lula é cada vez mais visto como manobrado, manipulado e ludibriado por seus "hermanos", Chávez e Morales", diz um trecho de um dos 16 telegramas obtidos pelo GLOBO, enviados pela embaixada dos EUA em Brasília, ao Departamento de Estado, no período de dezembro de 2005 a novembro de 2009, e agora divulgados pelo WikiLeaks.
Para Itamaraty, alianças eram como jogo de pôquer
A desconfiança surgiu quando Lula, "pareceu dar boas vindas à vitória populista de Morales". Definindo o assessor especial para a política externa, Marco Aurélio Garcia, como "o mais ideológico dos conselheiros de Lula, e muito simpático a forças políticas como as que Morales representa", a embaixada americana decidiu pressioná-lo "a dar explicações sobre as declarações de Lula". E perguntar como o governo brasileiro se via quanto ao "Eixo do Mal", formado por Evo, Chávez e Fidel Castro.
"O Brasil é o Brasil. Não há motivo para se preocupar", responderia pouco depois o próprio ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, num encontro (também registrado pelos americanos) que ele e Lula tiveram com o corpo diplomático brasileiro, referindo-se às suspeitas dos EUA. Os americanos voltaram a se alarmar quando, em maio de 2006, Morales decidiu nacionalizar o setor de petróleo e gás, ocupando uma refinaria da Petrobrás. "Curvando-se ao desejo de Evo?", diz o título de um dos telegramas que classifica a reação de Lula como "absurdamente branda", "anódina", "insípida", "anêmica", e "inepta".
Os EUA não se conformaram de Lula não ter sido mais duro em sua resposta. O fato de que, naquela mesma semana, ele anunciara que iria à Argentina para um encontro com Morales e Chávez, endossou o raciocínio americano: "Isso pode reforçar as impressões negativas de um presidente apanhado dormindo na direção e sem disposição para defender com rigidez os interesses vitais brasileiros".
Os telegramas revelam que os EUA foram aos poucos sendo convencidos de que a apatia diante da agressão boliviana era fachada. "Isso é um jogo de pôquer, em que os interesses do Brasil são grandes, mas o potencial de perdas para a Bolívia é muito maior", argumentou Marcel Biato, vice-conselheiro de assuntos externos. Segundo ele, o Brasil exercitava uma "paciência estratégica" e recomendava que os EUA fizessem o mesmo.
Biato insistiu que a posição de Lula era intencional, buscando criar espaço de manobra. "O presidente da Petrobras, (José Sérgio) Gabrielli está fazendo o jogo duro em público, dizendo que não aumenta o preço (que o Brasil paga pelo gás boliviano), que nesse clima não investe mais (na Bolívia), e que está pronto para ir para a arbitragem. Isso está coreografado, é uma tática deliberada", disse Biato. Ele deixou claro que o governo brasileiro não endossava as atitudes de Morales e nem de Chávez: "O que podemos fazer? Não podemos escolher nossos vizinhos. Nós não gostamos do modus operandi de Chávez e das surpresas de Morales, mas temos que lidar com esses dois caras, de alguma forma, e manter viva a ideia da integração regional" .
Em conversa com o então embaixador dos EUA, Clifford Sobel, em junho de 2008, quando a Bolívia enfrentava uma crise interna, Marco Aurélio Garcia também foi franco. Ele disse que os problemas tinham sido criados, em parte, pelo fato de que "Evo chegou ao poder agindo como se isso fosse uma revolução". Ele disse que muitos brasileiros tinham sido surpreendidos pela postura de confronto do boliviano, e que isso exigira "uma grande dose de paciência para colocar o relacionamento nos trilhos e estabelecer um diálogo franco".
Os documentos mostram que depois de um certo período o governo americano percebeu que o governo brasileiro vinha - na verdade - tratando de domar Morales e Chávez, em vez de ser engolido por eles. Numa reunião com o embaixador Sobel, o ministro João Pereira Pinto, diretor do Departamento Sul Americano, do Itamaraty, comparou Chávez "a um aluno rebelde que é popular apenas porque suas palhaçadas criam problemas para o professor".
.
Nenhum comentário:
Postar um comentário