Carlos Alberto Sardenberg
O Estado de S. Paulo
Se a política do ministro Mantega funcionar direitinho, vai acontecer assim: a fábrica de automóvel terá crédito abundante e barato (subsidiado pelo governo), mas o consumidor não terá crédito para comprar o carro.
É uma caricatura, claro, mas que apenas exagera a falta de lógica da política econômica em vigor, de estimular o crédito para investimento e restringir e encarecer os empréstimos para consumo. Segundo essa linha de pensamento, o consumo aquecido é ruim porque gera inflação. Mas o investimento, mesmo superaquecido, é bom, porque cria a capacidade de produzir os bens que atenderão ao consumo lá na frente. Logo, não é inflacionário.
Ora, depois de inúmeras negativas, o governo finalmente se convenceu de que o consumo está aquecido - ou seja, um desequilíbrio entre a demanda de pessoas querendo e podendo comprar e a oferta insuficiente de produtos. Se há dez pessoas querendo comprar geladeiras e apenas sete no mercado, o preço vai subir.
Por isso o ministro Mantega vem aplicando desde novembro de 2010 uma série de medidas para reduzir e encarecer o crédito ao consumidor. A última, na semana passada, dobrou, para 3% ao ano, o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) cobrado nos empréstimos a pessoas físicas.
Vai aqui uma observação paralela. Há menos de um mês a presidente Dilma Rousseff declarava em entrevista a Claudia Safatle, do jornal Valor, que não concordava que havia inflação de demanda no Brasil. Ora, restrições ao crédito pessoal são justamente para conter a demanda de coisas como automóveis, eletrônicos, etc.
Mas, tomando pela palavra de Mantega, o governo continua contra a tese de que a expansão dos investimentos também aquece a demanda. Mais exatamente: aquece, mas, como aumenta a capacidade de produção, a situação se equilibra.
Equilibra-se mesmo? E quando?
Considerem o investimento para aumentar a produção de uma fábrica de automóveis. Para instalar novas máquinas, será preciso construir ou ampliar prédios. Assim, toda uma cadeia se move, da produção de máquinas até a construção civil, absorvendo aço, alumínio, cobre, cimento, plásticos, madeira, combustível, etc., mobilizando outros fabricantes, fornecedores e prestadores de serviços. E empregando gente em diversos setores, com salários bons, pois a oferta de mão de obra no Brasil já se esgotou.
Pode-se dizer, sem erro, que o mercado de trabalho está superaquecido, com empresas precisando pagar mais para contratar ou segurar funcionários.
Ora, parece claro que há aí um forte impulso da "demanda agregada", não importando se o aço do momento vai para o torno ou para o automóvel. Esse aquecimento ocorre bem antes de a fábrica começar a produzir os carros adicionais.
E, como o governo insiste em manter os canais de financiamento subsidiado a grandes setores escolhidos pelo BNDES, a aceleração da atividade é generalizada. Assim sobem os preços - do caminhão e do frete, do aço e da carga no porto, da borracha e dos pneus, dos móveis e dos escritórios.
Finalmente, os trabalhadores que têm conseguido ganhos reais vão às compras, não é mesmo?
Só aqui o governo pretende agir. Os consumidores topam com um crediário mais curto e mais caro. Não é muito mais caro, porém, porque o governo não quer matar o negócio, de modo que muita gente aceita pagar um pouco mais na prestação. Os que podem, é claro, que são os de maior renda.
O executivo que vai comprar a moto para passear no fim de semana encara o crediário mais caro. O motoboy que precisa trocar a moto não pode. A locadora que vai comprar 50 carros pode, o trabalhador que acaba de ingressar na classe C não pode.
Mas esses que não podem continuam empregados e, pois, vão gastar em alguma outra coisa. Ou seja, vão aquecer o consumo de outros bens e serviços (viagens, por exemplo, que podem pagar no cartão, em seis vezes sem juros, sem o IOF).
Resumindo: medidas como essa do IOF, chamadas hoje "macroprudenciais", penalizam alguns setores e pessoas - as de menor renda -, distorcem a atividade e não reduzem o consumo de maneira significativa. O nome pode ser novo, mas a prática está longe de caracterizar uma nova política.
Nas décadas de 70, 80 e início da de 90 se fazia isso direto - e a inflação subiu o tempo todo, até ser abatida pelo Plano Real, em 1993.
Na verdade, o governo Dilma está buscando objetivos incompatíveis. Como disse ao Valor, a presidente tem "certeza de que o Brasil vai crescer entre 4,5% e 5% neste ano", sendo intolerante com a inflação. Mas o seu Banco Central (BC) já prevê que a economia cresça 4%, com inflação a 5,6%, acima da meta (4,5%). Para alcançar a meta neste ano, o País teria de crescer menos ainda, é o que nos diz o BC, argumentando assim por que tem sido mais tolerante com a inflação.
Fora do governo, as previsões de crescimento já estão abaixo de 4% e as de inflação passam de 6%.
O governo também não quer aumentar mais os juros e quer impedir mais valorização do real.
O que está acontecendo? O dólar roda abaixo de R$ 1,60, os juros subiram, a inflação aumentou e o crescimento caiu.
Saiu um pouco errado, não é mesmo?
Alternativa? A ortodoxia, pessoal. Primeiro, é preciso admitir que a economia brasileira cresceu e cresce mais do que pode. Isso posto, a receita: alta mais incisiva da taxa básica de juros, que atinge todo mundo por igual, e uma forte contenção do gasto público, outro poderoso fator de aquecimento da economia. Isso derrubaria a atividade por algum tempo, mas logo criaria as condições de retomada com juros mais baixos.
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