sábado, 16 de outubro de 2010

Amnésia

Eis a explicação para certas sinuosidades nas falas de Lula.
Bolívar Lamounier


Estou caminhando para uma centena de artigos aqui no blog, mas ainda não consegui me livrar de um velho cacoete acadêmico : o de escrever textos muito longos. 
Como hoje é sexta-feira, vou fazer o possível para escrever menos .  Só não prometo reduzir a quantidade de abobrinhas.    
Umas três semanas atrás eu fiz um comentário bem inocente sobre as pesquisas : escrevi que Dilma Rousseff estava com tendência de queda. Um velho amigo petista (sim, tenho vários !)  contestou-me (não aqui, pelo Facebook )  e me fez severa ponderação contra o que lhe pareceu ser uma leitura tucana das estatísticas. 
Conversa vai, conversa vem, Dilma caiu mais um pouco e deu segundo turno. Ontem, espiando de novo as pesquisas, observei que ela havia caído mais um pouco. Eu, não, todo mundo. A começar pelos próprios integrantes da campanha governista.
Diante do que agora lhes  pareceu uma situação “problemática”, o que foi que eles decidiram ?
Está na imprensa de hoje. Mandaram chamar o Lula. Querem que ele apareça mais na televisão e em eventos de rua. Problemas – como escrevi outro dia –  são em geral causado por soluções. Primeiro  eles resolveram amoitar um pouco o Lula, para a candidata poder aparecer mais. Esta solução já pautou o debate da Band no último domingo. A candidata fez e aconteceu.
Consta que a reação popular foi boa. Boa, mas insuficiente, do contrário não teriam ido buscar o Lula . 
Hoje de manhã, Lula não foi ao Planalto. Estava gravando para o horário eleitoral da candidata. Algo de errado nisso ?
Sim, claro. Há muito de errado. E de ilegal. Ilegalidade  não só à luz da Constituição e das leis do país, mas até  aos olhos do jurista Luís Inácio Lula da Silva.
Foi ele que inventou (ou encomendou, sei lá) a teoria segundo a qual  o presidente deixa de ser presidente depois do expediente. Desculpem a rima pobre, mas nesta história é tudo pobre .    
Hoje o jornalista Josias de Souza postou em seu blog algumas observações preciosas sobre duas viagens eleitorais de Lula, uma ao Piauí e outra ao Pará.
Ao Piauí, Lula foi sózinho, quer dizer, sem Dilma. A certa altura – aqui eu passo a palavra ao Josias : “…a atmosfera de campanha levou a platéia a gritar o nome de Dilma, que não estava presente. E Lula : ‘vocês sosseguem o facho, apaguem o fogo, porque aqui é um evento oficial da Presidência da República’ “. 
Ainda no Piauí, Lula caprichou em suas fábulas de auto-vitimização. Falou dos sofrimentos que padeceu nas mãos de adversários etc etc e, lá pelas tantas, comparou-se a Jesus Cristo.
De maneira sutil, é óbvio. Disse que o acusavam de comunista por usar barba e aproveitou para meter Jesus Cristo na história.  Assuntinho irrelevante, não é ? Resolvi mencioná-lo só porque me lembrei do Luís Nassif , que ontem fez em seu blog uma douta peroração sob o título de  ”Psicologia de massas do fascismo” . 
Nassif precisou se contorcer um pouco, isto é verdade, mas “conseguiu” responsabilizar Fernando Henrique e a mídia pela disseminação do que lhe parece ser um clima de pré-fascismo no país. Para isso eles teriam  inclusive – atenção, atenção – explorado a religiosidade singela das classes mais pobres. Esta é ou não é de cabo-de-esquadra ?
No Pará, com Dilma a tiracolo, Lula foi didático, explicando aos presentes que adversários malevolentes fazem acusações infundadas não só contra ele e ela . Lembrouo que outros grandes políticos do passado, como Getúlio, Juscelino, João Goulart, também foram duramente atacados. 
“Uma parte da elite  fazia essas acusações também a Ulysses Guimarães, em 1974, quando ele foi candidato da oposição [contra o general Ernesto Geisel]” .
E aí Lula soltou esta pérola :
[Fizeram] “…o mesmo discurso contra Tancredo Neves, quando [ele] foi para o Colégio Eleitoral [contra Paulo Maluf]…” 
Lula, como se vê, tem prerrogativas que os mortais comuns não possuem. Prerrogativas não é bem o termo. Tem características que nós, mortais comuns, não possuímos. Uma delas é o que se poderia chamar de amnésia presidencial.
É um tipo raro de amnésia, que ataca forte e subitamente se esvai, e que às vezes o faz esquecer posições que ele mesmo enfaticamente assumiu no passado.  
No Piauí, como vimos, ele se esqueceu mas repentinamente se lembrou de que “estava” presidente e não cabo eleitoral. Só despertou para o fato quando a platéia gritou Dilma, Dilma.
No Pará, ele se esqueceu de posições que assumiu e impôs ao PT.  Contou as críticas endereçadas a Tancredo Neves,  na fase final da redemocratização, sem se dar conta de que os críticos mais ferozes foram justamente ele e o PT. 
No calor paraense, Lula deve ter sofrido um tilt , um branco qualquer, ou, se preferem, um surto de amnésia presidencial.  E deve ter sido um surto forte. Lá ele esqueceu, nada mais e nada menos, que o PT se recusou a apoiar a eleição de Tancredo Neves e até expulsou três deputados federais que não se conformaram com tamanho facciosismo.
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