terça-feira, 5 de outubro de 2010

O risco não é de mexicanização

O analista econômico faz uma revisão acerca de eventos muito recentes dissipando, com sua análise ponderada, alguns eventuais receios de mexicanização de nossa sociedade com a prevalência do PT.
O diferencial entre nós e o México do PRI é que eles não tem o portfólio de commodities que temos tampouco praticaram juros altos para atraírem investidores estrangeiros.
De fato, também agora duvido que os radicais do PT queiram aprofundar suas "reformas" ano que vem. Seria bobagem antes mesmo que suicídio político.


 O risco não é de mexicanização
 Maílson da Nóbrega -Veja - 04/10/2010

A percepção de que Dilma poderá ser a próxima presidente despertou os piores temores. O pavor não é de ruptura na política econômica - como em 2002 -, mas de retrocesso democrático: o projeto de poder em curso levaria à mexicanização do Brasil Não é por aí, a meu ver.
De fato, é difícil reproduzir aqui os setenta anos de domínio do Partido Revolucionário Institucional (PRI) mexicano, que impunha o medo, nadava em corrupção e controlava a imprensa. O presidente escolhia o candidato à sua sucessão e utilizava a máquina pública para tolher a oposição. Elegia todos os governadores.
Perguntará o leitor: o mesmo não está acontecendo no Brasil? Lula escolheu a candidata, usou o governo para popularizá-la e participou ostensivamente da campanha, sem ligar para a lei nem para a liturgia do cargo. Há indícios de corrupção e intenções de controlar a imprensa.
Haveria também uma estratégia para aniquilar a oposição. “Nós precisamos extirpar o DEM da política brasileira”. disse Lula. O presidente se esforça para que a sucessora tenha um Senado dócil, que não a contrarie. Talvez para restabelecer a CPMF.
Na campanha, a desfaçatez atingiu o impensável. No Dia da Independência, Dilma se excedeu na desconstrução dos antecessores de Lula. Sem se preocupar com o papel de Dom Pedro I, ela afirmou que a verdadeira independência veio com o pagamento da dívida com o FMI.
Para ela, “ninguém respeita devedor”. Será? Quem não respeita os Estados Unidos, o maior devedor do mundo? Quanto à antecipação do pagamento ao FMI, outros países, dispondo das mesmas condições, fizeram o mesmo: Argentina, Equador, Indonésia, Rússia, Venezuela, Zimbábue e até o pobre Haiti.
As declarações de José Dirceu assustaram. Para o ex-ministro, “a eleição de Dilma é mais importante do que a de Lula porque é a eleição do projeto político, porque a Dilma nos representa”. Seria o retomo das insensatas ideias econômicas do PT?
Felizmente, há muitas diferenças entre nós e o México dos tempos em que o PRI mandava e desmandava. A oposição pode eleger governadores de estados que representam mais de 40% do eleitorado. O Judiciário não é submisso. A imprensa é "livre, independente. competitiva e agressiva", como disse a revista The Economist.
A imprensa consolidou seu papel de fiscalizar os atos do governo, de defesa da democracia e de canal de denúncia de malfeitorias, particularmente o patrulhamento recente do estado e a corrupção. É pouco provável que as alas radicais do PT e a área de comunicação do governo concretizem seus piores instintos e consigam amordaçá-la.
O Brasil construiu instituições inibidoras do populismo econômico e do autoritarismo. Como ensina Douglass North, as instituições incluem as regras formais e as informais, como as crenças, os valores, as convenções e os códigos da sociedade. A imprensa é parte delas.
A gestão da economia se tornou mais transparente e previsível. A sociedade valoriza a estabilidade de preços. Dada a disciplina de mercado, o governo se contém em relação a medidas que arruínem a confiança e provoquem inflação, que corrói a renda dos trabalhadores e destrói a popularidade. Seria suicídio político.
Os investimentos em curso no setor privado e os relacionados aos grandes eventos esportivos e à exploração do petróleo do pré-sal podem viabilizar certo nível de crescimento no próximo quadriênio, mesmo sob um ambiente internacional não tão favorável quanto o prevalecente na era Lula.
O dinamismo, contudo, dificilmente será o mesmo. A ausência de reformas estruturais e o aparelhamento do estado - que tendem a se repetir com Dilma - cobrarão seu preço. A economia tende a perder ritmo, o que pode criar pressões para interferir no Banco Central para baixar a taxa de juros e desvalorizar o câmbio a qualquer preço.
Se ações desse tipo acontecerem, a inflação voltará e a recessão baterá à porta. A popularidade do governo despencará. Sem retrocesso democrático, a oposição, caso seja refundada, ganhará as eleições de 2014 com o desafio de reverter a situação.
O risco não é de mexicanização, mas de perda, ainda que temporária, de conquistas da sociedade. Que Dilma dissipe esse risco, se de fato vencer.

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