Amigos, o artigo abaixo é lúcido e oportuno acerca de um problema com data futura de crise institucional.
Tenho postado todos os artigos de jornalistas, acadêmicos e especialistas ressaltando e criticando, positiva ou negativamente, a atuação das FFAA nas favelas do Rio. Um dos mais lúcidos foi o do cientista político Alexandre Barros que antecipou o que este, também cientista político e intelectual, nos brinda agora. Recentemente também coloquei um artigo de um dos principais brazilianistas americanos, Thomas Skidmore.
Ressalto o que aprendi nos livros de Skidmore e que me chamou a atenção logo no início da carreira, o fato de ter sido uma Brigada de Infantaria de Juiz de Fora que saiu, debaixo de chuva, se deslocando mais de dez horas até chegar ao centro do Rio e ocupar as principais ruas, sendo o Rio a maior concentração de quartéis das três FFAA. Remeteu-me à reflexão de que o Exército, na época, não estava nada convencido de que deveria atender ao mesmo clamor popular por segurança e estabilidade que se vivenciava, na época, por incitação de sindicatos e agremiações por Brizola e seus partidários (sic). Ou seja, o mesmo ocorre agora e as FFAA estão na berlinda, cumprindo ordens dos níveis superiores.
Ressalto, por oportuno, a análise comparativa do emprego do EB no Haiti.
Vale muito a leitura do artigo abaixo.
Forças Armadas policiais
Luiz Eduardo Rocha Paiva
Correio Braziliense
General da reserva
O emprego das Forças Armadas (FA) na recente escalada da violência no Rio de Janeiro foi necessário e oportuno, pois o governo estadual era incapaz de garantir a segurança da população, a lei e a ordem em toda cidade e, ainda, enfrentar as gangues que dominavam as comunidades do Cruzeiro e do Alemão, como reconheceu o governador fluminense. O resultado do conflito traria reflexos à autoridade do próprio Estado nacional, hoje desafiada em algumas áreas das grandes cidades. Cumpriu-se parcialmente a legislação que regula o emprego das FA na garantia da lei e da ordem, pois o controle operacional dos órgãos de segurança pública não foi transferido a uma autoridade federal e decidiu-se pela manutenção das FA em atividades policiais por tempo indeterminado, enquanto a lei estipula esse emprego por tempo limitado. É o jeitinho brasileiro, espécie de direito consuetudinário usado para driblar a lei quando há interesse político.
Atendeu-se ao clamor popular sem considerar que o cidadão anseia por segurança pública, independentemente do órgão que a proporcione. O Estado tem por obrigação corrigir as deficiências na Justiça, segurança e assistência social, mas prefere empregar as FA explorando sua credibilidade, organização e senso do dever, para substituir órgãos ineficazes. A Força Nacional de Segurança não foi convocada por economia, falta de respaldo constitucional ou pelo custo político? A PM manterá o regime de um dia de serviço por três de repouso? Órgãos de segurança pública saneados, despolitizados e modernizados dispensariam o uso de tropa federal, mas não bastariam agir contra o braço armado e poupar o topo da pirâmide do crime, fonte de recursos situada em altas esferas da sociedade com impunidade garantida. São problemas que a liderança do país não enfrenta para não contrariar interesses de forças econômicas e políticas moralmente decaídas, mas poderosas.
Questiona-se, com razão, a possibilidade de ocorrer episódios como o do Morro da Providência (RJ-2008), em que os militares culpados foram julgados, mas a responsabilidade pelo emprego do Exército em atividade com aparente ligação político-partidária nunca foi apurada. Hoje, é mais difícil coibir desvios de conduta, haja vista as restrições à aplicação dos regulamentos disciplinares, impostas por autoridades judiciais que desconhecem a profissão militar e acabam, assim, comprometendo a hierarquia e a disciplina, princípios basilares particularmente em operações. Além disso, aqui não é o Haiti, onde a tropa tem amparo para alvejar homens armados em atitude considerada ameaçadora. Em outras vezes que o Exército foi empregado no Brasil, vários militares responderam na Justiça por exercerem violência legal e legítima no cumprimento da missão.
O cenário da segurança pública é parte da crise moral que contamina a sociedade e as instituições, refletindo-se na má qualidade da liderança nacional. Esta, por sua vez, decide pautada por pesquisas de opinião e clamor público influenciados por emoções de momento. Soluções imediatistas agravam problemas e dão origem a outros piores. Empregar as FA internamente é uma decisão grave, pois, sendo a última razão do Estado, nada pode substituir a vitória como resultado de sua atuação, ainda que haja efeitos colaterais, ou elas e o Estado estarão desmoralizados. O topo da pirâmide do crime é sempre poupado, portanto, o êxito da operação será parcial e passageiro, mas o modelo vai se estender a outros estados, desviando as FA do preparo para a defesa da pátria, antigo propósito dos EUA para os países latino-americanos, e confundindo sua identidade natural com a policial.
Eis o resultado de décadas de leniência com o crime por um Estado que fugiu à sua responsabilidade e continua fugindo ao empregar as FA na segurança pública por tempo indeterminado, como uma nova polícia com o nome genérico de Força de Pacificação. É lícita a dúvida se a má decisão foi com boa intenção ou por populismo inconsequente ou, ainda, por erro de assessoramento, não se descartando a possibilidade de que o interesse por cargos no futuro governo haja contaminado o processo.
Estadistas autênticos e lideranças competentes e positivas, com visão estratégica, combinam pragmatismo e idealismo na justa medida, arriscam interesses pessoais e futuro político para defender ideais e causas nobres, embora impopulares, pois têm em vista o bem comum. Têm honestidade de propósitos e são, acima de tudo, leais à nação.
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