quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

"O Estado não pode ser uma folha de pessoal"

Murillo Camarotto 
Valor Econômico 

A eleição de Ricardo Coutinho (PSB) para o governo da Paraíba encerrou um ciclo de 20 anos em que o poder local se revezou entre o atual governador, José Maranhão (PMDB), e a família Cunha Lima. Confiante de suas chances nas urnas, Coutinho deixou pela metade seu segundo mandato à frente da prefeitura da capital, João Pessoa, onde teve uma gestão bem avaliada.

Para fortalecer sua candidatura, no entanto, teve que se aliar ao ex-governador Cássio Cunha Lima (PSDB), cassado em 2008 por supostas irregularidades em sua administração. Ex-petista, Coutinho também teve ao seu lado o DEM, representado pela figura do senador Efraim Morais, nomeado esta semana secretário de Infraestrutura. Após a vitória, o governador trabalha agora na acomodação de todas essas forças dentro do seu governo.

Há duas semanas, Coutinho anunciou sua equipe econômica, que terá nomes do PSDB, indicados por Cunha Lima. O maior desafio do grupo será devolver a capacidade de investimento de um Estado onde o funcionalismo público tem um peso extremamente elevado nas contas. Pelos cálculos da equipe de transição, a folha de pessoal dos servidores deve fechar 2010 representando nada menos do que 70% da receita corrente líquida, muito acima do que permite a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Para reequilibrar as contas, Coutinho terá que cortar na própria carne. Passado o risco eleitoral, ele já começou a enxugar a máquina estadual. Entre suas primeiras medidas, determinou a exoneração de todos os servidores comissionados da administração. Também foi suspenso o pagamento do reajuste de 27,92% aos agentes políticos do Estado, concedido no apagar das luzes por Maranhão. Teriam direito ao aumento governador, vice-governador, deputados estaduais, secretários e adjuntos.

"O Estado não pode ser uma folha de pagamento", disse ele em entrevista ao Valor, concedida em seu escritório, após a divulgação dos nomes da equipe econômica.

Mesmo sem ter contado com o apoio da presidente Dilma Rousseff, para quem pediu votos, ele pretende agora cobrar uma atenção maior à Paraíba no que tange a atração de investimentos estruturantes. Sem cerimônia, ele também criticou a fatia do PSB na distribuição dos ministérios. Abaixo os principais trechos da entrevista.

Valor: O senhor fez uma opção de certa forma pragmática na montagem de sua chapa nas eleições. Após a vitória, como está a formação do seu governo? Todas as forças serão representadas na sua gestão?

Ricardo Coutinho: As pessoas que estou indicando podem ser políticas, seria até bom que militassem, mas necessariamente têm que ter o perfil adequado para exercer as funções. Sem perfil não dá. Pode não ter experiência, mas tem que ter perfil. Portanto, mais importante do que ser conhecido é eu ter a noção de que essas pessoas possam dar conta do recado e cumprir o programa. Todos os partidos têm representação dentro do governo, mas, ao mesmo tempo, o perfil tem certa uniformidade.

Valor: O PSDB foi contemplado na equipe econômica. O DEM também está presente?

Coutinho: Já. O diretor do instituto de Polícia Científica foi sugerido pelos Democratas e outras pessoas também farão parte. Todos os partidos que estiveram conosco serão representados.

Valor: Oficialmente, o PT local esteve com seu adversário e sempre garantiu que a presidente Dilma apoiava o atual governador. Como ex-petista, o senhor ficou chateado com o PT?

Coutinho: Não. O resultado mostrou que eles estavam, novamente, equivocados. A presidente Dilma não veio à Paraíba, manteve o seu compromisso. O deputado federal eleito pelo PT estava conosco. E o PT dito "oficialista" foi derrotado.

    "Nem quando não havia a Lei de Responsabilidade a fatia da receita comprometida com folha de pagamento era tão alta (70%)"

Valor: A política da Paraíba ficou conhecida pelas décadas de revezamento de poder entre José Maranhão e a família Cunha Lima. A sua eleição neste ano encerra esse ciclo da política local ou o fato de o senhor ter o ex-governador Cássio Cunha Lima como aliado mantém um pouco dessa dualidade?

Coutinho: O maniqueísmo é uma arma muito utilizada na política. Não entro no mérito, pois, muitas vezes, até corresponde à verdade. Mas às vezes, ultrapassa. Essa questão, nesse período futuro, está superada. Estamos em busca de formar uma nova hegemonia dentro deste Estado. E essa nova hegemonia não será formada apenas com base em partidos e em acomodação de interesses. Ela está sendo formatada em torno de um projeto para o nosso Estado. Talvez você não esteja compreendendo exatamente o que estou dizendo, por tratar-se de uma coisa muito local, mas essa eleição foi uma eleição em que o verbo e a ideia, adicionados à referência de administração - que foi o caso de João Pessoa - derrotou todo um esquema que, para você ter ideia, no dia 31 de outubro estava sancionando lei de aumento para os policiais militares. Para 10 mil deles e outros 2 mil civis e 2 mil agentes penitenciários, sem ter qualquer preocupação com a lei do país. Ao ser vitorioso, nosso projeto aponta claramente para uma superação dessa dicotomia entre Maranhão e Cunha Lima.

Valor: Mas essa fórmula vitoriosa teve como ingrediente adicional - e importante - o apoio político de Cássio Cunha Lima, que ainda é muito popular na Paraíba.

Coutinho: Sem dúvida. Mas as pessoas tinham duas opções: a da máquina - de quem era muito conhecido, pois faz política há 55 anos - e a nossa. E tivemos ao longo da campanha, muitas perdas de apoios, inúmeras. Os prefeitos debandaram, os deputados também. Enfim, eu acreditava na vitória e uma grande militância também acreditava. O que estou querendo dizer com isso? Todos foram e são importantes, mas essa eleição foi típica de decisão da população. Não havia nada a nosso favor, todas as pesquisas estavam contra, flagrantemente manipuladas para nos derrotar. Por isso, a dicotomia não foi a tônica principal da campanha, porque se fosse, teríamos perdido. O mais importante foi as pessoas terem percebido que não havia futuro naquilo que está governando hoje a Paraíba.

Valor: No dia da vitória, o senhor mencionou como prioridade a retomada da capacidade de investimento do Estado. Diante da situação atual, isso será possível nos próximos quatro anos?

Coutinho: Vai ter que ser possível. Não há outro caminho. Vou tomar todas as medidas necessárias para que seja possível. O Estado não pode ser uma folha de pessoal. Não é justo com as pessoas, como a população pobre, que precisa de políticas públicas. Meu foco é com essa população, que amarga um alto índice de desemprego, ou de emprego desqualificado, que é o alvo de uma retomada que o Estado precisa ter. Para retomar isso, preciso retomar uma capacidade de investimento que, hoje, o Estado não tem.

    "Não fizemos a disputa do cargo pelo cargo, mas seria hipocrisia dizer que o tamanho do PSB refletiu-se no ministério"

Valor: As obras do PAC ajudam?

Coutinho: Das 36 obras do PAC, 17 estão paralisadas. Só uma, pequena, está em dia. Não tem dinheiro para contrapartida. As despesas com pessoal vão chegar a 70% da receita corrente líquida e, quando você leva em consideração o dinheiro com possibilidade de pagamento de folha, visto que há outros pagamentos obrigatórios, o comprometido hoje já chega a 90%. Ou seja, é um quadro extremamente grave. Isso nunca existiu no Estado, nem quando não havia Lei de Responsabilidade Fiscal. Preciso trazer isso para a normalidade em nome do interesse da maioria da população.

Valor: Como pretende resolver o problema?

Coutinho: Eu preciso ter, logo no início do governo, um programa de geração de renda, criar cadeias produtivas básicas, levar crédito aos pequenos produtores, começar a fazer inclusão social com base na força de trabalho e não na distribuição simples e objetiva do que quer que seja. Nós temos capacidade de fazer isso e vamos fazer. Quero estabelecer linhas de desenvolvimento que não passem pelo Estado, que teria um papel coadjuvante, de indutor. Quero o BNDES, Caixa e Banco do Brasil como agente financeiro direto com o setor produtivo. E quero chegar, não sei dizer quando, a ter religiosamente 5% da receita direcionada a investimento com recurso próprio. Para isso, o Estado não pode ser usufruto de grandes multidões produto das eleições.

Valor: Inevitavelmente, terá que haver cortes de pessoal.

Coutinho: Há um sentimento muito forte na população de que chega de enganação. Onde eu chego as pessoas esperam exatamente isso, o respeito para com o dinheiro público. Não posso ter o dinheiro público servindo a 100 mil pessoas com 90% de sua capacidade, ficando 10% pro restante do povo. Todo mundo sabe disso.

Valor: O senhor apoiou Dilma e ela não se posicionou. Nesse momento em que o Nordeste cresce acima da média nacional, alguns Estados atraem investimentos estruturantes. Como o senhor acredita que vai conseguir atrair algo à Paraíba?

Coutinho: Sinceramente, acho que a presidente Dilma tem a noção exata do quanto a Paraíba ficou para trás por ausência de projetos estruturantes. Acho que ela precisa, como presidente e como brasileira, resgatar isso. Não se trata de favor, é apenas colocar a Paraíba em patamares que a maioria dos Estados nordestinos já estão. Nós vamos buscar trabalhar em cima de uma lógica que tenha consistência, mas queremos participar desse desenvolvimento. Não queremos ficar somente com emendazinha para colocar um saneamento aqui e outro acolá, ou coisas que não sejam estruturantes. Queremos que a União, da mesma forma que faz com uma planta da Fiat e o pólo farmacoquímico para Pernambuco, com um aeroporto internacional de cargas no Rio Grande do Norte, com o porto de Pecém, no Ceará, nós também queremos a nossa parte.

Valor: Já conversou com a presidente após a eleição?

Coutinho: Ainda não tive o prazer. Tive dois meses para fazer uma transição que não houve, montagem de governo e preparação de primeiras medidas. Não descansei nada.

Valor: Porque não houve transição?

Coutinho: Não houve porque, na mentalidade de algumas pessoas, infelizmente, só se faz as coisas que estão na lei e, quando estão, se busca uma forma de burlar. Dentro de uma sociedade civilizada, transição não precisa estar na lei. Se eu perdi uma eleição, vou passar o governo pro outro, não tem como. Eu propus que essa transição não fosse feita apenas a partir da informação de dados, porque dados nus não representam muita coisa. O mais importante é o que está sendo desenvolvido. Mas eles [atual governo] preferiram a estratégia de esconder as coisas e nós estamos aí, com hospitais sem medicamentos, sem insumos, prestes a ficar sem alimentos e com dívidas monstruosas. Hoje o secretário de administração penitenciária está dizendo que vai faltar alimento para os presos. O governo está completamente paralisado. O atual governante se recusou a repassar o governo.

Valor: Qual o maior desafio para os próximos quatro anos?

Coutinho: Desenvolver esse Estado, social, econômica e humanamente. Temos um dos piores IDHs do Brasil, temos uma hiper concentração em João Pessoa, não só do PIB, como da circulação de mercadorias e da industrialização. É preciso olhar a Paraíba como um todo e reduzir o fluxo migratório que traz consigo uma série de problemas.

Valor: A entrada no PSB no governo Dilma era tida como uma das mais tranquilas e acabou se mostrando uma das mais problemáticas. Qual a sua avaliação desse processo e como enxerga esse PSB fortalecido nas urnas no tabuleiro da política nacional.

Coutinho: Acho que o PSB tem que ser tratado como um aliado leal, firme e que em nenhum momento titubeou nesses oito anos no que se trata da aplicação desse projeto político que governa o país, fruto dessa grande aliança. Nós crescemos pois nos mostramos confiáveis, porque apresentamos um programa sem grandes pirotecnias, com pé no chão, mas com sentido muito forte na resolução de problemas. Pernambuco tem uma experiência de gestão administrativa importante. É preciso conhecer o que está acontecendo por lá. O Ceará também tem avanços na Saúde. Acho que um aliado leal, com um peso de seis Estados governados por esse partido, não poderia ter demorado tanto [para ser encaixado no governo federal]. E acho também que a participação é inferior ao peso do partido. O PSB deveria ter peso maior e não estou falando de cargos, mas sim de representações simbólicas dispostas pela população nos diversos pleitos. O PSB avançou, construiu um modelo administrativo que começa a ser referência e ganhou seis Estados. Seria a construção mais fácil de fazer e foi a última. Como vem dizendo o presidente (do PSB) Eduardo Campos, não estamos fazendo a disputa do cargo pelo cargo. Agora, se me perguntar se o tamanho do PSB significaria uma participação maior, sinceramente eu digo que sim. Seria hipocrisia dizer que não.

Valor: O senhor diz que não tem papas na língua. Aqui na Paraíba, é considerado brigão por alguns políticos. Dentro do PSB atual, Ricardo Coutinho está mais para Ciro Gomes ou Eduardo Campos?

Coutinho: Não estou mais para ninguém. Admiro profundamente Ciro Gomes e Eduardo Campos. Eu não brigo com ninguém. Quando brigo é porque sou chamado pra brigar. Agora, eu tenho ideias e as defendo. Isso é desde sempre.
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