quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Apesar da geração recorde de emprego, era Lula investe menos em qualificação

João Villaverde 
Valor Econômico


O governo de Luiz Inácio Lula da Silva terminou com um saldo de empregos 150% maior que os oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso, mas o gasto médio anual com qualificação da mão de obra foi 73,3% inferior ao resultado, já muito fraco, do período FHC. Enquanto entre 1995 e 2002, os recursos oriundos do governo federal para programas de qualificação da mão de obra atingiram R$ 300 milhões, em média, por ano, os oito anos entre 2003 e 2010 registraram média de apenas R$ 80 milhões - o melhor resultado foi verificado no ano passado: R$ 180 milhões.

Não só os gastos foram muito pequenos, como as perspectivas não são boas. O Conselho Deliberativo do Fundo de Amparo ao Trabalhador (Codefat), que produz o orçamento anual de gastos com seguro-desemprego e programas de qualificação, solicitou ao governo R$ 1,2 bilhão para aplicar em programas de qualificação neste ano, mas o Orçamento federal do próximo ano, negociado pelo Ministério do Planejamento, prevê apenas R$ 200 milhões. Além disso, o equivalente a 20% do valor previsto pode ser contingenciado por meio da Desvinculação das Receitas da União (DRU), que só será totalmente extinta no ano que vem.

"Há enorme descompasso entre os gastos com seguro-desemprego e os investimentos em qualificação da mão de obra", afirma Sérgio Luiz Leite, integrante do Codefat e 1º secretário-geral da Força Sindical, a segunda maior central sindical do país. Segundo Leite, ampliar os recursos para a qualificação dos trabalhadores é o "grande nó" que o governo de Dilma Rousseff terá de desatar na área de emprego.

Dos cerca de seis milhões de desempregados que receberam benefícios do seguro-desemprego ao longo de 2009, dado mais recente disponível, apenas 200 mil cursaram um programa de qualificação. O balanço de 2010 ainda não está concluído, mas de acordo com Leite, a proporção de 3,3% dos desligados de seus empregos que cursaram algum programa de qualificação se repetiu. Os gastos com seguro-desemprego representam cerca de metade do orçamento total do Codefat, que no ano passado ano foi de R$ 44 bilhões - as estimativas do conselho é que os gastos com seguro-desemprego foram pouco superiores aos R$ 18,6 bilhões implementados em 2009.

A outra metade dos recursos do FAT é repassada ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), segundo dispositivo constitucional. O caixa do FAT é formado por recursos arrecadados pelas contribuições PIS e Pasesp, que incidem sobre a folha de pagamento do trabalhador com carteira assinada. Diante do incremento da formalização, nos últimos anos, os recursos do FAT aumentaram, o que possibilitou ao governo aumentar o número de parcelas do seguro-desemprego, no fim de 2008, como forma de atenuar os efeitos da crise mundial.

"Precisamos encontrar um equilíbrio entre os recursos para o seguro-desemprego e os programas de qualificação", diz Leite. "Gastamos quase R$ 20 bilhões com seguro-desemprego e R$ 160 milhões com qualificação. Se investíssemos mais em qualificação, as empresas não trocariam tanto de trabalhador e não teríamos tantos gastos com seguro-desemprego", afirma o sindicalista, para quem é preciso agendar uma reunião entre a presidente eleita, os integrantes do Codefat e o Ministério do Trabalho, que administra os recursos arrecadados pelo FAT.

Para Rodolfo Torelli, diretor do Departamento de Emprego e Salários do Ministério, há uma "desproporção muito grande" entre os gastos com seguro-desemprego e com qualificação de pessoal, que, segundo Torelli, enfrentam barreiras burocráticas para avançar. Há dois programas de qualificação de mão de obra, o Plano Territorial de Qualificação (Planteq), que segue critérios regionais, e o Planseq, focado em setores como turismo e construção civil. No Planteq, diz Torelli, os recursos vão para Estados e municípios com no mínimo 200 mil habitantes.

Segundo dados do Ministério, os dois programas, criados em 2003, qualificaram, ao todo, quase 1,5 milhão de pessoas desde então, sendo que 80% delas foram encaminhadas ao mercado de trabalho.

"Vivemos uma enorme janela de oportunidades neste início de governo", diz Clemente Ganz Lucio, diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), apontando para o crescimento elevado da economia, do emprego formal e dos salários. "A grande estratégia, agora, é investir pesado em qualificação profissional e em educação pública, onde estão a maior parte dos trabalhadores do futuro", diz Lucio.

"A maior parte dos trabalhadores já tem ensino médio e mesmo superior completo, o que, de qualquer forma, amplia a qualificação frente às décadas passadas, mas precisamos agora dar qualidade à esse ensino". Para o diretor do Dieese, o período pós-crise mundial, no Brasil, trouxe o "reconhecimento" de que o mercado interno é o "principal sustentáculo" do crescimento econômico. Assim, raciocina ele, "a hora é de ampliar a qualificação dos trabalhadores para, assim, aumentar seus rendimentos, que serão canalizados para o mercado interno".
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