quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Ela e seu grande desafio



BENJAMIN STEINBRUCH
FOLHA DE SÃO PAULO

O desafio da presidente Dilma Rousseff é levar o Brasil para o mundo dos juros civilizados

Todo presidente brasileiro, ao assumir, enfrenta um grande desafio na área da economia. Na história recente, alguns fracassaram, mas os dois últimos conseguiram atingir boa parte de seu objetivo.
Fernando Henrique Cardoso chegou à Presidência da República, em 1995, com a missão de colocar o país no caminho da estabilidade. Uma luta sangrenta contra a inflação, com armas ortodoxas e heterodoxas, fora travada em mandatos anteriores, sem sucesso.
Uma vez no Planalto, FHC tratou de levar adiante o Plano Real, que ele mesmo lançara no fim do governo Itamar Franco. Foi muito bem-sucedido nessa tarefa. A inflação, que na gestão anterior havia subido para uma média anual de quase 800%, caiu para 8,75% ao ano no segundo mandato de FHC.
Na promoção de crescimento econômico, porém, o governo patinou e nos dois mandatos o PIB se expandiu em média 2,5% ao ano. Bem pouco para um país que na época já era chamado de emergente -não mais de subdesenvolvido.
Por isso, o grande desafio de Lula, ao se eleger, era desenvolver a economia a taxas próximas das dos demais emergentes, sem ameaçar a conquista da estabilidade.
Terminada a era Lula, pode-se dizer que ele chegou perto do objetivo. O crescimento médio anual do PIB situou-se em 4%, nada próximo do ritmo chinês ou do indiano, mas honroso, se forem consideradas as circunstâncias de crise global no segundo mandato.
E qual seria agora o grande desafio macroeconômico da recém-empossada presidente Dilma Rousseff? Eu o definiria em nove palavras: levar o Brasil para o mundo dos juros civilizados. Sem perder, obviamente, as conquistas de FHC e Lula.
O Brasil já se envergonha de algumas aberrações nacionais, como as deficiências em setores da infraestrutura, a insegurança dos cidadãos e o baixo nível educacional. Precisa também começar a ter vergonha da aberração dos juros.
Há décadas o Brasil ocupa as primeiras colocações entre os países com maior taxa básica de juros do mundo. Ainda hoje, a Selic está em 10,75% ao ano, nível absurdo quando comparado com 0,25% dos Estados Unidos, 1% na zona do euro ou 5,81% na China.
Mais vergonhoso se mostra esse cenário quando olhamos para as taxas internas cobradas pelas instituições financeiras dos tomadores, sejam pessoas físicas ou jurídicas.
Não quero aborrecer o leitor com excesso de números, mas vale citar alguns. As taxas mensais de juros para o crédito pessoal variaram de 1,12% ao mês até 26,35% ao mês na segunda quinzena de dezembro, dependendo da instituição financeira.
No mesmo período, os descontos de duplicatas, para pessoas jurídicas, custaram de 1,07% a 4,88% ao mês.
As taxas máximas nesses empréstimos significam juro anual de 1.500% no caso da pessoa física e de 77% no da jurídica. São aberrações, sem dúvida, que mostram uma realidade bem distante daquela que poderia ser chamada de civilizada em matéria de custo do dinheiro. Reduzir juros é crucial porque o crédito, no Brasil como em qualquer outro país, é o combustível financeiro da economia, fundamental, sobretudo, para impulsionar empreendedorismos que levam ao crescimento.
Em 2002, as operações totais de crédito no país representavam 20% do PIB. Em 2010, esse número se aproximou de 50%, num avanço razoável, explicado pela criação de mecanismos que proporcionaram a redução de juros em algumas operações, como o crédito para veículos e o consignado. Esse nível, porém, está ainda muito abaixo do verificado nas grandes economias, onde o crédito atinge 150% do PIB.
O desafio de Dilma nessa área, como se vê, é talvez tão grande quanto o enfrentado por FHC na estabilização e por Lula no crescimento e na distribuição de renda. O sucesso vai depender, em parte, da austeridade fiscal, com corte de gastos correntes (não de investimentos) para permitir uma política monetária menos ortodoxa.
Mas o sucesso também vai depender de uma mudança cultural na administração dos juros, que sempre primou pelo conservadorismo exagerado e pela falta de ousadia.
O Brasil não pode e não precisa continuar disputando, ano após ano, a liderança do campeonato mundial do juro alto.
BENJAMIN STEINBRUCH, 57, empresário, é diretor-presidente da Companhia Siderúrgica Nacional, presidente do conselho de administração da empresa e primeiro vice-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo).
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