segunda-feira, 4 de outubro de 2010

Inquilinos

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.Luís Fernando Verissimo, extraído do Jornal A Gazeta - 07/12/07
Ninguém é responsável pelo funcionamento do mundo. Nenhum de nós precisa acordar cedo para acender as caldeiras e checar se a Terra está girando em torno do seu próprio eixo na velocidade apropriada, e em torno do Sol de modo a garantir a correta sucessão das estações. Como num prédio bem administrado, os serviços básicos do planeta são providenciados sem que se enxergue o síndico - e sem taxa de administração. Imagine se coubesse à humanidade, com sua conhecida tendência ao desleixo e à improvisação, manter a Terra na sua órbita e nos seus horários, ou se - coroando o mais delirante dos sonhos liberais - sua gerência fosse entregue a uma empresa privada, com poderes para remanejar os ventos e suprimir correntes marítimas, encurtar ou alongar dias e noites e até mudar de galáxia, conforme as conveniências de mercado, e ainda por cima sujeita a decisões catastróficas, fraudes e falência.
É verdade que, mesmo sob o atual regime impessoal, o mundo apresenta falhas na distribuição dos seus benefícios, favorecendo alguns andares do prédio metafórico e martirizando outros, tudo devido ao que só pode ser chamado de incompetência administrativa. Mas a responsabilidade não é nossa. A infra-estrutura já estava pronta quando nós chegamos. Apesar de tentativas como a construção de grandes obras que afetam o clima e redistribuem as águas, há pouco que podemos fazer para alterar as regras do seu funcionamento.
Podemos, isto sim, é colaborar na manutenção da Terra. Todos os argumentos conservacionistas e ambientalistas teriam mais força se conseguissem nos convencer de que somos inquilinos no mundo. E que temos as mesmas obrigações de qualquer inquilino, inclusive a de prestar contas por cada arranhão no fim do contrato. A escatologia cristã deveria substituir o Salvador que virá pela segunda vez para nos julgar por um Proprietário que chegará para retomar seu imóvel. E o Juízo Final, por um cuidadoso inventário em que todos os estragos que fizemos no mundo seriam contabilizados e cobrados.
-- Cadê a floresta que estava aqui? - perguntaria o Proprietário. - Valia uma fortuna.
E:
-- Este rio não está como eu deixei...
E, depois de uma contagem minuciosa:
-- Estão faltando cento e dezessete espécies.
A Humanidade poderia tentar negociar. Apontar as benfeitorias - monumentos, parques, áreas férteis onde outrora existiam desertos - para compensar a devastação. O Proprietário não se impressionaria.
-- Para o que eu quero o Taj Mahal? Sete Quedas era muito mais bonita.
-- E a catedral de Chartres? Fomos nós que construímos. Aumentou o valor do terreno em...
-- Fiquem com todas as suas catedrais, represas, cidades e shoppings. Quero o mundo como eu o entreguei.
Não precisamos de uma mentalidade ecológica. Precisamos de uma mentalidade de locadores. E do terror da indenização.
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Um comentário:

  1. Nenhuma tecnologia produzida pela humanidade será capaz de criar ou refazer as maiores e mais perfeitas obras de arte naturais pertencentes ao planeta.

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