segunda-feira, 4 de outubro de 2010

A política externa sem Lula

O que torna para nós, um desafio a gestão das relações internacionais é que é um assunto a ser tratado como interesse de Estado. Nossas instituições, sobretudo as políticas, não se avizinharam dessa perspectiva nos últimos oito anos, assim, se os antigos diplomatas não forem ouvidos, não será o Itamaraty fortemente politizado e com incidente viés ideológico de esquerda, que nos manterá, de forma "sustentável" entre potências influentes no mundo. 

Somos, no momento, interessantes em função dos juros altos oferecidos aos investidores externos e em função do nosso berço explêndido marinho, o pré-sal, não fora isto seríamos "quintais" ou celeiros conforme publicação americana. É nosso papel trabalharmos com seriedade, sobretudo na área de Educação e desenvolvimento de tecnologias de alto valor agregado ao invés de sermos eternos exportadores de commodities.

A política externa sem Lula

Brasil - Sergio Leo - Valor Econômico - 04/10/2010

Ao aproveitar a reunião do G-20, na Coreia, em novembro, para apresentar seu sucessor à comunidade internacional, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrará uma nova etapa da política externa brasileira, em que a crescente presença do Brasil nas instâncias de decisão mundiais foi impulsionada pela figura do carismático líder metalúrgico, capaz de persistir na via democrática para chegar ao poder e de combinar o respeito aos mercados com uma ativa política de distribuição de renda. Não à toa, Lula pretende fazer, de seu discurso na Coreia, um balanço de seu governo.

Há consenso entre os analistas que a saída de Lula obriga o próximo governo a modificar, se não a essência, a forma de atuação internacional. O Brasil de democracia consolidada, das enormes florestas, do petróleo no pré-sal, das imensas riquezas naturais e de atrativo mercado consumidor está destinado a ter presença importante no cenário internacional, mas quem o comandará a partir de 2011 não terá suas declarações recebidas com a mesma benevolência concedida ao presidente de metáforas exóticas e trânsito fácil, agora em fim de mandato.

Há, no Brasil, quem atribua o respeito adquirido pela política externa brasileira apenas à enorme popularidade de Lula também no exterior . É um equívoco. A influência e a visibilidade do Brasil nos órgãos multilaterais e nos eventos mundiais não se deve apenas à singularidade do presidente operário, o Lech Walesa que deu certo - na feliz definição do antecessor, Fernando Henrique Cardoso, em comparação com o ex-líder sindical polonês, que também foi presidente e mito internacional.

Houve e há muito do trabalho de respeitados diplomatas brasileiros na configuração da política externa dos últimos oito anos. Foram também os êxitos dessa política, nem sempre reconhecidos no país, que garantiram ao Brasil presença nas mesas de decisão do mundo - ainda que tenha sido em vão, até agora, o esforço do governo para ter cadeira cativa em uma das principais dessas mesas, o Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Faltou ao Brasil, no governo Lula, uma estratégia mais eficaz para prevenir e tratar as ameaças aos interesses nacionais surgidas nos países vizinhos, quase todos conturbados por profundas mudanças internas, reviravoltas políticas e, em alguns casos, na situação econômica. Ainda é grande a resistência à liderança brasileira, refletida na lentidão dos projetos sul-americanos de integração; e ainda surgem sem aviso ações contrárias à economia brasileira, como medidas protecionistas do principal sócio regional, a Argentina.

Seria injustiça, porém, negar os avanços. Com a criação de comissões de monitoramento de comércio com os sócios comerciais no continente, foram abortadas pela negociação preventiva discordâncias que poderiam se desdobrar em crises comerciais. Listado entre os governos confiáveis à comunidade financeira internacional, o Brasil conseguiu, nos últimos anos, evitar conflito direto com os chamados países "bolivarianos" de tendência estatista e agressiva retórica diplomática, estabelecendo com os governos desses países, onde é forte a interferência presidencial nos negócios, uma linha direta de defesa dos interesses de cidadãos e empresas brasileiras.

O esforço para institucionalizar mecanismos internacionais de decisão e solução de conflitos é, talvez, uma das principais marcas do governo que acaba, a ser herdada pelo que começará em 2011. Um dos resultados mais notáveis foi a transformação, em G-20 - com presença atuante do Brasil-, do G-7, o grupo de países ricos que, até a última crise financeira, decidia as ações conjuntas de governança econômica mundial. Nas negociações comerciais, o acordo de livre comércio entre Estados Unidos e Colômbia, assinado há quatro anos, e até hoje bloqueado no Congresso dos EUA, mostra o exagero dos que apontam a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) como oportunidade perdida para a economia brasileira. Não se pode culpar a diplomacia de Lula pelos impasses nas negociações internacionais comerciais, que, no caso da Organização Mundial do Comércio (OMC), até ressaltaram o protagonismo brasileiro, ainda que o único resultado prático tenha sido bloquear um acordo entre EUA e União Europeia, que ameaçava interesses nos países em desenvolvimento.

Na América do Sul, a heterogeneidade entre as economias e a situação política da Argentina (além de resistências no próprio setor privado brasileiro) impediram a consolidação do Mercosul. Mas evitou-se o retrocesso e houve pequenas conquistas, como a criação de um fundo, o Focem, para investimentos na integração, e um sistema para acabar com a cobrança dupla da tarifa de importação no bloco.

A crise da semana passada no Equador, tratada entre os vizinhos por meio da Unasul, uma iniciativa brasileira, mostra que o esforço institucional da diplomacia sob governo atual tem o potencial de deixar heranças positivas para a governabilidade da região. A reunião, que decidiu estabelecer uma "cláusula democrática" no continente, prescindiu até da presença de Lula, que, no Brasil, se empenhava na própria sucessão.
.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

GEOMAPS


celulares

ClustMaps