segunda-feira, 4 de abril de 2011

Desatinos contra a Vale

EDITORIAL
O Estado de S.Paulo

Derrubado o presidente da Vale, o governo estuda o próximo passo para impor seus interesses e suas concepções econômicas à maior empresa privada do Brasil, segunda maior mineradora do mundo e líder mundial na extração de minério de ferro. O Palácio do Planalto mandou o Ministério da Fazenda examinar uma forma de tributar a exportação do minério, para reduzir os embarques de matéria-prima e aumentar as vendas externas de aço, produto de maior valor agregado. Para isso a empresa teria de ampliar seu investimento em siderurgia. A decisão só será tomada depois dos estudos, informou ao Estado uma fonte ligada ao poder central. Segundo a mesma fonte, a presidente se mostraria sensível ao que era uma das obsessões do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Durante mais de metade de seu segundo mandato, o presidente Lula se esforçou para mandar na Vale e, diante da resistência do presidente da empresa, passou a manobrar para derrubá-lo. Esta parte da tarefa já foi cumprida pela presidente Dilma Rousseff. O afastamento de Roger Agnelli foi anunciado oficialmente pela companhia na sexta-feira. Uma agência foi contratada para buscar e sugerir nomes para a substituição, mas alguns possíveis sucessores já têm sido mencionados por pessoas envolvidas no processo.

O novo presidente da Vale terá um mau começo, se aceitar previamente a interferência do governo. Se estiver disposto a receber ordens do Palácio do Planalto ou de qualquer Ministério, o governo nem precisará tributar o minério para forçar a empresa a investir mais em siderurgia. Ao mostrar submissão, esse presidente iniciará sua nova carreira já enfraquecido e enviará uma péssima informação ao mercado e aos acionistas particulares.

As manobras do governo para comandar a Vale têm sido motivadas por uma combinação de ideias estapafúrdias e de impulsos perigosos. É estapafúrdia, em primeiro lugar, a ideia de forçar maiores investimentos em siderurgia, quando o setor está com uma enorme capacidade ociosa - no País e no exterior. A presidente Dilma Rousseff saberia disso, se tivesse o trabalho de consultar os profissionais do setor. A Vale já investe na produção de aço, mas em ritmo compatível com uma estratégia racional.

Em segundo lugar, é um desatino a ideia de tributar a matéria-prima para forçar a exportação de produto de maior valor agregado. Essa tolice reaparece, de tempos em tempos, sob nova roupagem - estimulada, às vezes, por interesses privados. Há anos, empresas do setor calçadista convenceram o governo a tributar a exportação de um tipo de couro. O governo cedeu à esperteza de alguns e cometeu a bobagem. Um dos efeitos foi o desvio das exportações de couro brasileiro pelo Uruguai. O resultado poderia ter sido pior - a perda de mercados para os concorrentes.

Tributar a exportação de minério concederá uma vantagem aos concorrentes estrangeiros da Vale. Ninguém forçará uma grande potência importadora, como a China, a pagar mais pelo minério ou a comprar mais aço do Brasil por causa dessa manobra ridícula. Depois, a mera ideia de tributar matéria-prima para aumentar a exportação de bens de maior valor agregado é uma infantilidade. No máximo, a medida poderia ter algum efeito se o país tivesse o monopólio da matéria-prima. Não é o caso e, mesmo que fosse, o expediente seria discutível.

Se houvesse alguma inteligência nessa proposta, valeria a pena aplicá-la de forma radical. Por que não tributar também a exportação de aço, para favorecer a venda de automóveis, tratores e outros produtos fabricados com esse tipo de insumo? Por que não taxar o milho, a soja e a ração, para ampliar as vendas de carnes? Ou, ainda, por que não dificultar os embarques de café em grão - o Brasil é o maior exportador do mundo -, para multiplicar as vendas do produto instantâneo e do torrado? O desatino seria o mesmo em todos esses casos.

Mas o governo pode ter outros motivos, também, para mandar numa empresa como a Vale. Orientar seus investimentos para este ou aquele Estado ou município pode ser uma forma de distribuir enormes favores. E, se a ordem é conceder benefícios à custa de uma grande companhia, por que privar os aliados de mais alguns bons empregos?
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