RUTH DE AQUINO
REVISTA ÉPOCA
Há um novo nome na lista dos fugitivos mais procurados do Estado de São Paulo: o pedreiro Ananias dos Santos, de 27 anos, principal suspeito de um dos crimes mais tenebrosos de que o país ouviu falar. As vítimas são as irmãs Josely e Juliana, de 16 e 15 anos. No caminho entre o ônibus escolar e a casa, encontraram um monstro. Se tiver sido mesmo Ananias, era um monstro conhecido delas e da polícia. Tinha saído da prisão numa folga de Páscoa, em 2009, e não voltara. Todos sabiam onde morava. Já era foragido antes. Mas ainda não tinha ficado famoso.
A delegada Sandra Vergal diz com simplicidade que, “pelos antecedentes dele, Ananias não podia ser contrariado em nada”. Por que nenhuma autoridade policial até agora fez um mea culpa? O preso sai pela porta da frente, não volta para a cela e, por suposta rejeição de uma das meninas, persegue e mata as irmãs a tiros? Dói demais ver as fotos das adolescentes. Além de muito bonitas, eram conhecidas como educadas, estudiosas e apegadas à família. Ananias era fugitivo com endereço certo. Quem afinal matou as meninas da aprazível Cunha, uma localidade pacata e verde, que fez passeata de 3 mil por justiça? Somos ou não também culpados pela negligência de nosso sistema penitenciário?
A semana passada foi pródiga em constrangimentos. Em dezembro, listei nesta coluna dez razões para se indignar. Nos últimos dias, além do crime bárbaro de Cunha, deparei com mais quatro razões para me decepcionar com o ser humano público e privado.
O vice-presidente José Alencar, herói no combate ao câncer, afetuoso no trato com as pessoas, dizia “não temer a morte, mas a desonra”. E, mesmo assim, foi incapaz de sequer conhecer sua suposta filha com uma enfermeira. Recusou-se a fazer exame de paternidade e chamou publicamente a mãe de Rosemary de Morais de prostituta: “Todo mundo que foi à zona um dia pode ser pai. São milhões de casos”. No caso de Alencar, a atitude não combina com a biografia. Onde estava sua coragem? Encarou o câncer e 17 cirurgias, mas Rosemary não. Ela ganhou na Justiça o sobrenome Alencar.
Além do crime bárbaro de Cunha, a semana ofereceu quatro outros motivos para nosso constrangimento
A atriz Cibele Dorsa usou sua depressão e seu suicídio para protagonizar um circo deprimente. O Twitter, a carta para a revista Caras, o vídeo montado para homenagear o noivo que também se matara dois meses antes. Nesse inacreditável mundo novo, a regra é se expor e ser seguido por milhares, mesmo no Além. Uma moça bonita, mãe de um casal de filhos, desperdiça a vida e dirige um roteiro multimídia para conseguir finalmente a fama após a morte. O suicídio perde o que lhe restava de privacidade, discrição, gravidade e pudor.
O deputado Jair Bolsonaro também aproveitou a mídia para ser mais Bolsonaro do que nunca. Ofendeu negros quando só queria, segundo ele, ofender gays. Já falou barbaridades piores. Desta vez, conseguiu a repercussão desejada porque difamou pela televisão uma celebridade, Preta Gil. Reafirmou a uma rádio que Preta “é promíscua” e que o pai da cantora, Gilberto Gil, “é outro que vive dando bitoquinha em homens”. Como Bolsonaro defende sua liberdade de expressão, eu também poderia escrever que ele não passa de um ignorante. Mas, como isso não é novidade, só pergunto como o deputado foi parar na Comissão de Direitos Humanos da Câmara.
O presidente da Venezuela, Hugo Chávez, em visita a Buenos Aires, foi condecorado pela Faculdade de Jornalismo de La Plata por sua “defesa da comunicação popular”. Chávez tirou do ar uma TV e várias emissoras de rádio. Aprovou leis que tornaram crime as críticas pesadas ao governo. Perseguiu oposicionistas. E ganhou um prêmio que é homenagem a um jornalista importante da Argentina, assassinado pelos militares, Rodolfo Walsh. O vexame internacional foi ainda maior pela coincidência: a anfitriã, a presidente Cristina Kirchner, é acusada de estar por trás dos sindicalistas que proibiram a circulação do jornal Clarín.
Como jornalista e ser humano, senti vergonha e impotência diante desses episódios e seus personagens. Nessas horas, a palavra não é suficiente.
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