segunda-feira, 4 de abril de 2011

Nova volta na chave

 Míriam Leitão
O GLOBO

Nos primeiros três meses do ano passado, entraram US$20 bilhões no país, metade foi dinheiro de curto prazo de empresas e bancos. Este ano, no mesmo período, entraram US$38 bilhões. É esta escalada que o Banco Central quer reduzir. Tem entrado muito empréstimo de prazo curto, de um ano, para aproveitar a diferença de juros ou financiar capital de giro a custo baixo.

Os bancos aproveitam o diferencial de juros, como sempre fizeram. Com juros baixíssimos lá fora e de 11,75% aqui dentro, é fácil ver que há uma vantagem enorme. O BC acha que, além de arbitragem de juros, há também muitas operações de captação de bancos para alavancar créditos no mercado doméstico com funding mais barato. Além disso, empresas não financeiras têm se aproveitado para financiar seu capital de giro através de captação lá fora.

Aí ocorrem os problemas. O primeiro é que desta forma empresas e bancos contornam as medidas tomadas pelo Banco Central para reduzir a oferta de crédito, ou seja, as autoridades acham que essa captação está neutralizando as medidas chamadas "macroprudenciais". O outro problema é que essa entrada excessiva de dólares derruba ainda mais a moeda americana, produzindo mais distorções na economia brasileira. Ainda há um terceiro complicador: as empresas ficam mais expostas ao risco cambial e se o dólar subir abruptamente, como aconteceu em 2008, isso pega as empresas no contrapé.

Foi o que fez o Banco Central tomar a decisão que anunciou ontem, de elevar para 6% o IOF sobre empréstimos de prazo até 360 dias no exterior. É uma tentativa de alongar prazos, evitar vazamentos nas medidas de contenção de crédito, e impedir excessiva exposição cambial das empresas. Pelas contas que fizeram, o ganho de captação no exterior para aplicação aqui no Brasil, com a taxa Selic em 11,75%, cairia de 8,75% para 2%. Isso, na opinião do governo, é um desestimulo à continuação dessa forma de entrada de capital.

Um dos objetivos da medida é fortalecer as regras criadas para conter o excesso de oferta de crédito anunciadas no final do ano passado, como ferramenta auxiliar no combate à inflação. Ontem mesmo o BC divulgou que o crédito continuou subindo em fevereiro e já atinge 46,5% do PIB. Isso, apesar dessas medidas, como a elevação do recolhimento compulsório ao Banco Central, tanto nos depósitos à vista quanto nos depósitos a prazo. As regras do final do ano foram baixadas para que os bancos ficassem com menos recursos para emprestar. Mesmo assim, o volume de crédito subiu. Em parte porque os bancos e empresas recorreram ao mercado internacional, onde há muita liquidez com juros baixos.

O indicador preocupante do crédito não é a relação dívida/PIB, mas sim o nível de comprometimento da renda das famílias com o pagamento do principal e os juros das dívidas que tomaram. Hoje, se pegarmos o rendimento de uma forma ampla - salários, aposentadorias, benefícios como Bolsa Família - o nível de comprometimento das famílias com as dívidas é de 24%. Nos Estados Unidos, é de 18%. Isso apesar de lá as dívidas serem de mais longo prazo e a custo muito menor. Ou seja, há sim um risco maior no endividamento brasileiro, apesar de os níveis de inadimplência não serem altos. É por isso que o BC tem se preocupado em reduzir o ritmo do crescimento do crédito.

Os dólares continuarão entrando em grande quantidade no Brasil pelas inúmeras oportunidades de investimento, mas o que o Banco Central quer com medidas como a que anunciou ontem é financiar o déficit em transações correntes mais com Investimento Direto Estrangeiro do que com capital de endividamento de curto prazo.

José Alencar fez uma trajetória de extraordinário sucesso no setor empresarial. Construiu riqueza do nada. Uma pequena loja na cidade de Caratinga virou um império empresarial.

Eu o entrevistei em Montes Claros, em 1995, para uma reportagem sobre a competição que as empresas estavam enfrentando após a abertura da economia. "Competição é comigo mesmo", disse, cercado por máquinas modernas que haviam substituído a forma mais rudimentar de produção de têxteis. Ele tinha aproveitado o câmbio baixo pós-real para modernizar suas fábricas.

Entrou tarde na política mas fez uma trajetória bem-sucedida. Foi um vice-presidente que tinha suas próprias opiniões - como as sempre repetidas contra os juros altos - mas não constrangia o presidente, ao qual sempre manifestou absoluta lealdade.

Em 2008, eu perguntei a ele como era conviver por 11 anos com o câncer. Ele me disse uma frase inesquecível: "A morte é natural como a vida." E foi com essa naturalidade que ele tratou cada etapa dessa longa luta que perdeu ontem. Enquanto lutou, ele ensinou que doença é natural como a saúde. A sensação que fica é esta: de uma pessoa que mostrou que os maus momentos devem ser enfrentados com naturalidade e esperança.

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