domingo, 10 de abril de 2011

O parque temático do bem


LUIZ FELIPE PONDÉ
FOLHA DE SÃO PAULO 


Por que existem guerras? Porque gostamos de matar. Resposta pouco simpática, mas definitiva.

Penso como o crítico literário norte-americano Edmund Wilson (século 20): as guerras não são causadas primariamente por razões políticas ou econômicas, estas são apenas o que na filosofia chamamos de "causas ocasionais" (isto é, a oportunidade que aparece para realizarmos as verdadeiras causas primárias de nossas atitudes).

A verdadeira causa primária é biológica: gostamos de matar e pronto.

O governo britânico lançou na mídia imagens de seus aviões bombardeando tanques das forças pró-Gaddafi na Líbia. Imagens como essas dão crédito para o marketing moral e político do Reino Unido: "Olhem como não matamos civis, somos legais".

Perguntado certa feita sobre a morte de civis em combate, o primeiro-ministro de Israel Bibi Netanyahu teria dito "Alguém perguntou aos britânicos quantos civis alemães mataram em seus bombardeios?".

Todo mundo sabe como guerra é, mas hoje em dia querem dizer que guerra pode ser combatida puxando o cabelo do inimigo. O mundo virou um "parque temático do bem".

O marketing é a ciência definitiva do inicio deste século. Se quisermos entender a política e a moral, devemos voltar nossos olhos para o marketing e não mais para a sociologia ou para a ciência política. Estas são ciências caducas para as sociedades contemporâneas.

Desde o século 18 a filosofia política, em grande parte, virou conversa de "teenager". Coisas como "o homem é bom e a sociedade o perverte" é conversa para boi dormir.

Sabe-se desde as cavernas que a vida moral comporta um tanto de hipocrisia, sem a qual seríamos obscenamente amorais. Mas o problema é que, desde Rousseau, a hipocrisia contaminou o mundo da filosofia política. Por quê? Porque ele criou a política para o mundo como parque temático do bem.

É ridículo ver como a classe intelectual, artística, e muitos profissionais da mídia se acham uma reserva moral da sociedade. Hábito nefasto porque corrói o pensamento público desde a raiz. Faz de cada um de nós um marqueteiro de nosso próprio pensamento.

Intelectuais, artistas e jornalistas aderiram a todas as diferentes formas de totalitarismos desde o século 18. Mas não todos, graças a Deus e a coragem de alguns de resistir às glórias de fazer parte da torcida e do rebanho.

Mas a mentira social não é privilégio da elite intelectual de um país. Se René Descartes, filósofo francês do século 17, disse que a razão foi dada a todos os homens em "quantidades iguais", deveríamos acrescentar, mais ao modo de outro filósofo francês do século 17, Blaise Pascal, que o pecado, sim, foi dado a todos em "quantidades iguais".

Aliás, suspeito que a razão não foi dada em "quantidades iguais" a todos os homens, mas, sim, o pecado.

Nada disso significa que devemos bater palmas para as guerras. Significa que devemos resistir à praga do modo "teenager" de pensar e dizer a verdade: gostamos de matar.

O argumento de Rousseau segundo o qual temos um "sentido empático" para o sofrimento alheio (isto é, sentimos junto com o outro seu sofrimento e daí agimos em defesa dele) é uma piada de mau gosto. Só reagimos à violência quando ela põe a nós mesmos (ou nossos interesses) em risco.

Sabe-se muito bem que filhos e cônjuges de pessoas que ajudaram vítimas do nazismo (ou qualquer outro sistema de violência) detestavam a atitude moral do "idiota da família" que colocava o cotidiano da família em risco para ajudar estranhos. Sempre que situações como essas se repetirem, a maioria esmagadora das pessoas fará o mesmo. E odiará quem não fizer.


Muita gente sai gritando quando isto é dito, movida apenas, em segredo, pela sagrada mentira social que sustenta a imagem pública de nós mesmos.

Genocídio é um horror, mas é a constante da humanidade e não a exceção. Preste atenção: quantos períodos históricos existiram sem algum genocídio? Nenhum ou talvez alguns minutos.

Cada um de nós está sentado sobre ossos. Ganhamos tecnologia, dinheiro, ciência e espaço com guerras. O gosto de sangue é o motor da história.
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