Ressalto, contudo, que trata-se de um país milenar e que saiu na frente, junto à França em termos de DHumanos e Igualdade.
Uma revisão histórica revela que nos últimos anos o problema de desempenho econômico, principalmente na França, tem suscitado conflitos, o mais notável para nós foi na Copa onde Zinadini Zidane, ícone da França, Argelino e símbolo de inclusão acabou fazendo dois gols, um deles de cabeça sem quase sair do chão, encerrando uma série de pequenas e sutis declarações de Jack Chirack de que para o bem da França a taça não sairia de Paris. Dois dias antes de Ronaldo, o fenômeno, então o Ronaldinho, ter a famosa crise convulsiva e o time ter entrado de cabeça e moral baixa.
Enfim, ilações indevidas à parte, vale a pena ler a íntegra da reportagem para se ter uma idéia do que vem a ser exclusão social em um país de primeiro mundo e com mais de mil anos de existência.
A Espanha foi exemplo de tolerância com o imigrante até a eclosão da crise. Mas alguns políticos alimentam o medo com mensagens racistas que dão resultado nas urnas
A captação do voto xenófobo não começa no Congresso dos Deputados espanhol. Mas já começou. O caldo de cultivo ideal para as mensagens destrutivas contra os estrangeiros - que despertam as mais baixas paixões dos que vivem em um fio, devido ao aumento do desemprego e ao estreitamento dos gastos sociais - são os cinturões vermelhos das grandes cidades. Ali onde os imigrantes romenos, latino-americanos ou marroquinos se agrupam em um bairro em busca de comunidades e ali onde as políticas de integração municipais, autonômicas e nacionais têm o ponto de mira. O político local sem muitos escrúpulos utiliza o choque de costumes entre autóctones e recém-chegados, a necessidade de distribuir os serviços sociais (basicamente as creches, a saúde e as moradias) entre mais pessoas e a crise, com o desemprego na primeira linha de fogo, está fazendo o resto.
O panfleto contra os imigrantes romenos promovido pelo Partido Popular (PP) de Badalona e a negativa do prefeito de Vic, do Convergència i Unió (CiU), a recensear os "sem-papéis", somada ao anúncio de denunciá-los, são apostas arriscadas dos mandatários locais dos grandes partidos, mas nada improvisadas. Os resultados das eleições autonômicas e locais na última legislatura em determinados municípios mostram que essas duras mensagens calam em uma parte da população, a mais vulnerável, e podem atrair um punhado de votos, às vezes suficiente para conquistar o poder municipal.
A marca social deixada por esses surtos é de dinossauro. Uma mensagem pode mudar o clima da área e destruir com uma canetada anos de políticas voltadas para a integração. Mas as pesquisas também demonstram que os picos mais altos de preocupação da população espanhola, em geral pela chegada maciça de imigrantes, não estão tão ligados a essas questões locais, e sim às notícias sobre a chegada de estrangeiros sem-papéis em barcos ou a determinados episódios de violência.
"O que aconteceu em Vic, Badalona ou Alcorcón, e também os problemas com o registro, demonstra que estamos convergindo com a UE no ruim, é um indício de que há tensões no nível local e de que algumas políticas começam a ser identificadas como eleitoralmente rentáveis", indica o sociólogo Héctor Cebolla, professor de Estrutura Social Contemporânea na UNED e especialista em imigração. "Nosso sistema dificulta a criação de novos partidos políticos que tenham êxito com mensagens desse tipo nas localidades em que se pode atrair esse tipo de voto. Estão sendo usadas por alguns responsáveis políticos pertencentes a grandes partidos, e tudo isso significa que está nos acontecendo o mesmo que ocorreu antes em outros países da Europa, isto é, implica que não estamos imunes diante da xenofobia, apesar do que algumas pessoas acreditavam. É o mesmo fenômeno que se viu em outros países europeus: diante da chegada maciça de imigrantes a uma parte dos cinturões vermelhos das cidades, o autóctone que pode vai embora; muitos dos que ficam se irritam".
Mas, assim como outros sociólogos, Cebolla adverte que as pesquisas de opinião - que salientam a imigração como o terceiro problema que mais preocupa os espanhóis - não têm sentido nesse caso utilizando amostragens nacionais, por ser a xenofobia um fenômeno que se verifica, no caso da Espanha, em âmbitos exclusivamente locais. "Os efeitos se diluem quando se fazem amostragens de todo o país. Porque onde essas tensões são mais visíveis é nas grandes cidades que têm mais imigrantes e onde os serviços públicos estão congestionados. E não é uma tensão episódica, nem creio que os últimos casos de Badalona ou Vic serão um fenômeno isolado, existem em outros países europeus que estão há muito mais tempo que nós recebendo grande quantidade de imigrantes", acrescenta Cebolla. "Outra coisa é que o sistema de partidos espanhol não permite que o fenômeno seja amplo, mas em nível micro não vamos nos diferenciar."
Tomás Calvo Buezas concorda com a análise. Ele tem a perspectiva de várias décadas dedicadas a esse tema. É catedrático emérito da Universidade Complutense e fundador do Centro de Estudos sobre Imigração dessa instituição. "A crise não é o caldo propício para a solidariedade; com ela cresce o receio. É verdade que os imigrantes também foram muito afetados por ela, com 29% de desemprego entre eles, mas também há 31% entre os jovens. Não se pode dizer estatisticamente que a xenofobia cresça por esses fenômenos, mas está claro que está latente e que aumentou".
Calvo Buezas lembra um episódio que fez disparar os primeiros alarmes há alguns anos: o crime racista de Aravaca, em novembro de 1992. A preocupação que despertou fez que se tomasse consciência da situação em todos os níveis, político, social, regulamentar, e se implementaram muitas iniciativas para favorecer as mensagens positivas e a integração. Essa atuação fez que os índices de xenofobia diminuíssem, e quando em 2007 a imigração cresceu houve mais tolerância.
O especialista também salienta o atentado terrorista de 11 de março de 2004 em Madri. "Causou muito mal. Contribuiu para a associação dos muçulmanos com a violência, por isso é preciso ter muito cuidado com as mensagens que se passam", adverte.
Apesar de tudo, ninguém discute que a Espanha foi, como país e até agora, um exemplo de tolerância diante da chegada maciça de imigrantes que ocorreu nos últimos 12 anos. A política de imigração da Espanha foi construída sustentada no consenso. Não foi um espaço, como ocorreu com outros temas sociais como a educação ou a saúde, para confronto político nas câmaras parlamentares ou nos corredores e inclusive nas ruas. Os partidos majoritários se comportaram nessa questão de forma coerente. É verdade que eles mesmos, seus responsáveis, dizem isso, mas a imensa maioria dos especialistas o confirma.
"A sociedade espanhola foi muito receptiva ao fenômeno migratório e a maioria das prefeituras está fazendo um trabalho importante para favorecer a integração, mas é um processo longo e complexo, e a obrigação dos responsáveis políticos é acompanhá-lo, investir nele e dar as condições para que transcorra com normalidade", opina a diretora geral de Integração dos Imigrantes do Ministério do Trabalho e Imigração, Estrella Rodríguez Pardo.
"Os discursos que alimentam o ódio ao diferente e confrontam uns aos outros são perigosos em longo prazo, porque nessas questões é muito difícil construir e facílimo destruir. É fácil despertar nas pessoas o medo do futuro, do desemprego, e culpar o que vem de fora e alimentar os ódios. É difícil explicar bem as coisas, prevenir e resolver. A responsabilidade compartilhada, entre os programas do governo e os recursos do governo e os criados pelas comunidades e prefeituras para a integração de imigrantes. E, depois de todo esse trabalho, o prejuízo que essas mensagens destrutivas causam à sociedade, como se conserta e quem o paga?", opina a diretora geral.
Fora os dois momentos mais delicados para a política de imigração na Espanha (em 2000, com as duas reformas normativas sucessivas, e em 2005, com a regularização extraordinária de estrangeiros), a Espanha, apesar das pesquisas, não viveu grandes confrontos por causa disso. Mas há questões que flutuam de forma permanente sobre essa calma, uma das quais provocou a polêmica de Vic: o direito ao recenseamento reconhecido pela legislação espanhola, esteja-se em situação legal ou não no país. Isto é para não poucos especialistas, nacionais e internacionais, uma situação anômala que deveria ser revista e é um direito tão difícil de entender como de explicar bem aos cidadãos. E trata-se de uma das questões mais usadas para lançar mensagens xenófobas.
"Há um aumento da rejeição do outro, e ocorre nos territórios mais vulneráveis e não nos que têm maior nível de renda", adverte a porta-voz da Imigração do PSOE no Congresso dos Deputados, Esperanza Esteve. "É normal que em um momento de crise haja certo temor de que o outro acabe deslocando você, mas o grave é que uma instituição, um partido, use essa situação para criar confronto entre vizinhos, aguce as diferenças e ponha a culpa no que acaba de chegar, isso é muito sujo", salienta Esteve. "Essas mensagens jogam com um processo de mudança social delicada em um momento em que a percepção da diversidade é muito alta e, embora haja déficits, se está trabalhando duro nos locais em que há mais problemas, e são lugares nos quais é preciso cuidar muito da convivência, fugir dos agravos comparativos e desmontar mensagens negativas. Por isso o dano que essas políticas xenófobas causam é enorme, e é muito irresponsável por parte desses partidos permitir que se quebre assim a convivência para conseguir apenas alguns votos", conclui a porta-voz socialista.
Seu homólogo no Partido Popular, o porta-voz da Imigração Rafael Hernando, considera que "há dados preocupantes na tentativa de utilizar esse tema para captar votos, porque a sociedade foi bastante tolerante nos últimos tempos, dado que a Espanha é o país que recebeu mais imigrantes nos últimos 25 anos, e não ocorreram elementos de xenofobia como aconteceu na França". Mas ele opina que a questão é que o governo "não tomou medidas sérias para atacar o problema da chegada maciça de imigrantes, como demonstra que no ano passado, apesar da crise, foram dadas 325 mil cartões". Hernando insiste em que a lei deixou muitas coisas sem resolver: "É mais fácil vir ilegalmente do que de forma legal para os imigrantes, e através da permanência está ocorrendo um novo processo de regularização", adverte.
O porta-voz popular qualifica de "desafortunado" o panfleto distribuído em Badalona e menciona que também o foram "as batidas do Interior contra os marroquinos". "O problema é que se deu muito destaque aos direitos e muito pouco às obrigações dos que vêm, como respeitar nossa legislação. Vir para nosso país é um privilégio para muitos estrangeiros, recebem saúde e educação gratuita, mas precisam levar em conta que também há algumas normas que devem cumprir, que falam da igualdade entre homens e mulheres, por exemplo, em referência ao uso do véu islâmico nos lugares públicos", explica. "Para evitar a rejeição é preciso conseguir que as pessoas venham legalmente e cumpram as normas que temos, que são iguais para todos. É nelas, em nossas leis, em nosso ordenamento, que está o limite do que se pode fazer ou não, seja um espanhol ou imigrante", conclui.
Carles Campuzano, porta-voz da Imigração da CiU no Congresso, que conhece de perto os últimos casos, opina que "se há xenofobia é pelo discurso populista que se utilizou, mas também pela realidade, pelos problemas que não foram bem abordados". Campuzano também insiste em que, diante da intensidade do fenômeno da imigração na Espanha, predominou o senso comum, mas salienta que "o discurso que culpabiliza tem êxito porque há problemas na rua que não foram resolvidos". E explica: "Ao redor das pessoas às quais esse discurso se dirige está o desemprego, mas também questões próximas, como a mudança de seu bairro, que já não tem nada a ver com o que era, e muitos que passaram a vida toda ali se sentem estranhos. Não se pode culpar o eleitor, é um erro, porque com base nisso não se vai evitar que continue votando nos populistas. É preciso tomar iniciativas. O modelo legal, pelo quadro e a implementação, não é bom, e quando superarmos esta crise econômica será preciso abrir uma reflexão sobre de que modelo de imigração a Espanha vai precisar. Porque a demografia exigiria mais trabalhadores de origem estrangeira, e não podemos repetir o mesmo modelo de agora", declarou o porta-voz da CiU.
Tradução: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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