sábado, 1 de maio de 2010

A república digital das letras


Tenho um e-reader da Sony comprado em 2006 onde baixava artigos em PDF e work para trabalhar minha tese de mestrado. Usava-o, como todos os demais, no metro, ônibus e filas de super-mercados. Também tinha um palmtop que usava para as mesmas funções. Ainda uso os textos em txt baixados para meu blackberry. Contudo, sou um contumaz defensor do livro, em papel. Todos os três equipamentos que uso desde 2006 não me dão o mesmo prazer de folhear, anotar observações a lápis, discutir uma colocação, também a lápis, que o autor coloca e ficar indo e voltando nas referência bibliográficas, notas de pé-de-página, gráficos, mapas etc.

Eu não acredito, em curto prazo, que os ereaders irão prevalecer em nosso mercado. É uma questão de idiossincrasia e não de modismo.



A república digital das letras

O passado e o futuro do livro – e do ideal iluminista de torná-lo acessível a todos – são examinados em ensaios pelo diretor da biblioteca de Harvard


Desculpe se o que estou dizendo parece cheio de santimônia", diz o historiador americano Robert Darnton, 71 anos, depois de uma apaixonada defesa da atualidade do livro em papel. Ao longo de sua entrevista a VEJA (veja o quadro abaixo), Darnton esboçou várias desculpas do mesmo teor: seu tom estaria muito sentencioso, ou até mesmo pio, como o de um pregador religioso. É compreensível. Darnton é uma autoridade na história do livro, autor de O Iluminismo como Negócio Edição e Sedição, entre outros estudos fundamentais sobre o mercado livreiro na França do século XVIII – e sua relação com o explosivo contexto político que culminaria na Revolução de 1789. O objeto de seus estudos propicia o tom elevado: veículo de vários textos sagrados, o livro é também o centro de um certo culto laico, celebrado em bibliotecas como a da Universidade Harvard, da qual Darnton é diretor. Mas o historiador não se vale dessas metáforas religiosas: nos termos do Iluminismo do século XVIII, ele prefere falar na República das Letras – um país desprovido de fronteiras, no qual todos, leitores e autores, poderiam discutir e trocar ideias sem censura ou restrições. A internet, com sua capacidade inaudita de divulgar textos e imagens, tem, sem dúvida, o potencial de expandir essa república virtual – e Darnton examina essas possibilidades ao mesmo tempo com entusiasmo e ponderação em A Questão dos Livros(tradução de Daniel Pellizzari; Companhia das Letras; 232 páginas; 42,50 reais), coletânea de ensaios recém-lançada no Brasil.

"Este é um livro sobre livros, uma apologia descarada em favor da palavra impressa e seu passado, presente e futuro", anuncia a introdução da obra. Consumado rato de arquivos (em um dos ensaios, ele relata a experiência de ler, na íntegra, o arquivo de 50 000 cartas referentes aos negócios de uma editora franco-suíça do século XVIII), Darnton é amante do papel, do prazer visual e tátil que se extrai do contato com um livro (em particular, com obras antigas e raras). Ele aposta na sobrevivência do códice, o formato de livro que surgiu em torno do século III – com páginas que são viradas, e não desenroladas, como nos rolos de pergaminho que até então conservavam a palavra escrita – e alcançou um público leitor cada vez maior a partir da invenção da imprensa, na década de 1450. Será simplista, argumenta ele, imaginar que uma nova tecnologia vai substituir completamente e de imediato formas mais antigas. A televisão não acabou com o rádio, e nem o YouTube acabou com a TV. O livro em papel, portanto, deverá conviver muito tempo com leitores eletrônicos como o Kindle e o iPad.


Os formatos eletrônicos, porém, configuram um desafio para os bibliotecários, que terão de desenvolver novos métodos e protocolos para conservar o conhecimento em forma digital. "Os arquivos digitais são compostos de números binários, que se corrompem e degradam. E a tecnologia avança rapidamente. Muitos formatos de arquivo se tornam obsoletos e difíceis de acessar em um prazo de poucos anos", alerta Darnton. Outro grande esforço exigido das bibliotecas – o de tornar seus acervos acessíveis on-line – esbarra em problemas não só tecnológicos, mas também legais. A Questão dos Livros faz um exame crítico do ambicioso projeto do Google para digitalizar as obras de algumas das maiores bibliotecas universitárias do mundo, inclusive a de Harvard. O Google Book Search foi contestado por associações americanas de autores e editores, que reclamavam o respeito aos direitos autorais das obras digitalizadas que ainda não se encontram em domínio público. O entrave foi contornado, em 2008, por um acordo entre o Google e essas associações – o qual, no entanto, ainda depende de aprovação judicial. Darnton observa que o acordo, por sua extensão, tornaria o Google Book Search imune à concorrência. O próprio Departamento de Justiça americano já contestou a iniciativa, por seu caráter monopolista.
O Google Book Search é o tópico mais "momentoso" de A Questão dos Livros. Mas a coletânea não se esgota aí: é rica em digressões saborosas sobre as diferentes edições de Shakespeare ou as leituras de Thomas Jefferson. Darnton é, sobretudo, um historiador, um homem que oferece perspectivas amplas para seus temas. E seu assunto central exige isso mesmo: não há objeto mais amplo do que o livro.

Uma missão civilizadora

O historiador Robert Darnton falou a VEJA sobre o papel das bibliotecas 

e a polêmica iniciativa de digitalização de livros do Google.


O senhor afirma que a biblioteca é o centro da vida universitária. Faz sentido falar nesses termos quando os estudantes hoje contam com a internet, que não tem um "centro"? 
Não devemos pensar nas bibliotecas como meros depósitos de livros, ou como museus em que exemplares raros são expostos em cúpulas de vidro. A biblioteca é um centro de organização do conhecimento – o que se torna ainda mais importante em um universo confuso e sem forma como a internet. Sei que isso pode soar sentencioso, mas acredito nessa missão central das bibliotecas.


E a biblioteca de bairro ou de cidade pequena ainda cumpre a mesma função para o leitor comum? 
Sim, e está incorporando novas funções. Faço parte do conselho da Biblioteca Pública de Nova York, que, além de seu conhecido prédio central na Quinta Avenida, administra várias unidades de bairro. A visitação delas aumentou depois da crise econômica. Os trabalhadores que perderam o emprego e não têm computador em casa vão lá para buscar empregos on-line.


O senhor é um crítico do Google Book Search, projeto que pretende digitalizar o acervo de grandes bibliotecas – inclusive a de Harvard – e oferecer acesso aos livros na internet. Por quê? 
O Google tem feito um trabalho maravilhoso de digitalização do acervo dessas bibliotecas. Mas, como toda empresa privada, tem por objetivo dar lucro a seus acionistas. Os objetivos das bibliotecas são distintos – entre eles, oferecer conhecimento público. Esse conhecimento não pode ser detido por uma empresa só. O acordo sobre direitos autorais do Google configura uma situação de monopólio.


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