Um filósofo gaúcho já vem acompanhando e denunciando o tema há anos, que eu acompanho. O tema é essencial para nosso desenvolvimento harmônico como sociedade e esta precisa acompanhar de perto.
A propósito, esta semana sairá na mídia algumas matérias acerca de nossa capacidade de manutenção e desenvolvimento de pesquisas aeroespaciais importantes para nossa sociedade, sobretudo no que toca a desenvolvimento e autonomia em telecomunicações satelitais.
Temos, em Alcântara, grupos de quilombolas, provavelmente alimentados por ONG estrangeiras interessadas no cerceamento de atividades do Centro de Lançamento de Alcântara.
Convém a sociedade acompanhar de perto e não terceirizar a responsabilidade ao Governo.
Seria ótimo se este tema estivesse contido em uma novela, assim poderia chegar ao conhecimento do público geral.
Arbitrariedade contida
Denis Lerrer Rosenfield
O Estado de S.Paulo - 22/11/10
A questão quilombola nos últimos anos ganhou um alcance político-ideológico que a situa muito além do que está disposto no artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT). Com efeito, esse artigo trata do reconhecimento dos quilombos efetivamente existentes quando da promulgação de nossa Carta Maior, em justo reconhecimento aos escravos fugidos que conseguiram afirmar sua liberdade emancipando-se dos laços da escravidão. Tratava-se, e trata-se, do justo reconhecimento de uma injustiça que se abateu sobre toda a população negra de nosso país.
No entanto, a Fundação Cultural Palmares e o Incra, auxiliados por um grupo de antropólogos e membros do Ministério Público, passaram a agir à revelia da lei por meio do que denominam ressemantização da palavra quilombo. O quilombo já não significaria um povoado formado por escravos negros (havia também índios e brancos de baixa extração social), situado em áreas afastadas dos centros urbanos, edificado com preocupações defensivas, mas uma identidade cultural, que se aplicaria, segundo decreto posterior (4.887, de 2003), a um processo de autorreconhecimento. Um grupo dito étnico estaria investido da prerrogativa de se dizer "quilombola", essa palavra ganhando significado pelos intermediários do discurso, os agentes da ressemantização, os antropólogos.
Os termos da questão estariam, então, completamente invertidos, via utilização de uma ficção, a de um quilombo conceitual que seria "reconhecido" por antropólogos a serviço da "causa". Consoante com essa posição, a Fundação Palmares e o Incra passaram a reconhecer como quilombo qualquer "identidade cultural", "étnica", doravante aplicando-se a qualquer centro cultural, por exemplo, um terreiro de umbanda ou de candomblé. Terreiros seriam "quilombos". Os processos de desapropriação não conheceriam mais limites, não importando, como o estabelece a Constituição, que se trate ou não de quilombos efetivamente existentes em 1988, segundo definições constantes em dicionários.
Um basta foi dado a tanta arbitrariedade graças a uma sentença do juiz federal Tiago do Carmo Martins, numa ação interposta pelo advogado Nestor Hein, defensor de pequenos agricultores na localidade de São Miguel, Restinga Seca, no Rio Grande do Sul. Trata-se do processo n.º 2007.71.02.009430-8/RS, da 2.ª Vara Federal de Santa Maria, que julgou procedente a ação judicial, tendo como réu o Incra. Observe-se que esses pequenos agricultores possuem propriedades entre 15 e 20 hectares, estando ali estabelecidos desde 1850, sendo o fruto da colonização alemã e polonesa dessa região.
O juiz frisa que a Constituição, no artigo 68 do ADCT, dispõe o ano de 1988 como a linha divisória permitindo determinar o reconhecimento de quilombo, ou seja, áreas efetivamente sob ocupação quilombola, e não áreas ficcionais posteriormente criadas segundo outro conceito de quilombo, o quilombo conceitual, não histórico. Nas palavras do juiz: "Ora, o reconhecimento operado pelo art. 68 do ADCT é limitado às comunidades que estivessem, em 5 de outubro de 1988, ocupando áreas historicamente constitutivas de quilombos. Sendo assim, o desapossamento de terceiros, com o fito de restituir a gleba aos remanescentes de quilombo, não encontra espaço de aplicação na seara do art. 68 do ADCT, porquanto este tem como requisito indispensável a permanência de ocupação da terra pelas comunidades em questão."
Logo, caberia ao Estado, ainda de acordo com o texto constitucional, emitir os títulos respectivos às comunidades de quilombo efetivamente ocupando aquelas terras, e não emissão de títulos sobre terras de terceiros. Calculava-se, na época, a existência de menos de cem quilombos, segundo diferentes estimativas, inclusive da própria Fundação Palmares, enquanto com a nova significação da palavra quilombo a estimativa sobe para em torno de 4 mil comunidades quilombolas, não havendo mais limites para essa proliferação.
O ineditismo da decisão judicial reside, ademais, no fato de demonstrar que o Decreto 4.887 regulamenta para além do que está disposto na Constituição federal. No dizer do juiz: "Com efeito, o cotejo do Decreto 4.887/2003 com os dispositivos constitucionais e legais acima transcritos denota invencível incompatibilidade entre o regulamento e as normas hierarquicamente superiores." O problema torna-se mais grave porque as atribuições da Fundação Cultural Palmares estariam sendo transferidas, por decreto, ao Incra.
Ora, além da impropriedade constitucional e administrativa, o problema ganha contorno ainda maior pelo fato de a Fundação Palmares não ter histórico de recusa de qualquer demanda de reconhecimento, pois segue a noção de quilombo conceitual, falsificando completamente o seu processo de identificação. Qualquer terra se torna, então, passível de desapropriação. Questão tanto mais controversa eis que, no dizer do juiz, o artigo 68 da ADCT "não comporta espaço para desapropriações, pois pressupõe o simples reconhecimento da titularidade de área já ocupada e mantida por remanescentes de quilombos".
O Incra estaria agindo segundo uma legislação infralegal, que afronta a Constituição, tornando-se fonte de atos arbitrários, desprovidos de amparo constitucional. Esse órgão do Estado não poderia regulamentar desapropriações que não estão previstas na própria Constituição. O ato dito de regulamentar extrapolaria sua missão legal, sendo fonte de insegurança jurídica. O Decreto 4.887/2003 não pode regulamentar um "dispositivo constitucional que não comporta margem a desapropriações". Com mais razão ainda, as regulamentações feitas pelo próprio Incra por meio de suas Instruções Normativas careceriam de base legal. Eis a questão que o Supremo deverá necessariamente enfrentar.
PROFESSOR DE FILOSOFIA NA UFRGS.
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