Vale a pena ler.
Imposto da nota fiscal
MAÍLSON DA NÓBREGA
REVISTA VEJA
Na economia, não bastam boas ideias. Elas precisam ser viáveis. Seus custos não devem exceder os benefícios e, assim, evitar perdas para a sociedade. Exemplo de boa ideia é explicitar os impostos na nota fiscal. Ao saber quanto paga, diz-se, o consumidor se conscientizaria do seu enorme custo, cobraria do governo a adequada aplicação dos recursos e forneceria apoio político para a realização da reforma tributária. Tudo muito correto. O diabo, como sempre, mora nos detalhes. O custo excederia os benefícios.
Os defensores da ideia se inspiram em exemplo não aplicável ao Brasil, o do sales tax americano, um imposto sobre vendas a varejo cujo valor é registrado na nota. O Brasil utiliza um método distinto, o do imposto sobre o valor agregado, que é arrecadado ao longo da cadeia de produção e consumo. O sales tax existe somente nos Estados Unidos e em uma ilha do Caribe. Por incidir apenas na venda final, tem elevado potencial de sonegação, o que é minimizado por suas alíquotas relativamente baixas, a maioria entre 6% e 8%. Isso só é possível nos Estados Unidos porque o grosso da carga tributária americana vem de impostos sobre a renda e a propriedade, e não sobre o consumo, como no Brasil.
O sales tax não é tão simples quanto se pensa. E preciso saber se certos bens serão usados para consumo ou para produção, caso em que o imposto não será cobrado. Se o consumidor fizer a compra pela internet e residir em outro estado, o imposto não será retido, a menos que o vendedor tenha uma presença física por lá, o que não é comum. Por essas e outras, o sales tax tem menor eficiência econômica, embora as características do federalismo americano dificultem a adoção de algo melhor, o imposto sobre o valor agregado (IVA), hoje adotado por cerca de 130 países.
A explicitação do sales tax na nota tem a ver, pois, com o método, e não com a conscientização do contribuinte. Nos Estados Unidos, impostos sobre combustíveis, energia e outros não são explicitados na nota (seria quase impossível calculá-los). Na União Europeia, o IVA é obrigatório. Já residi lá e visitei vários dos países membros do bloco. Jamais vi o IVA explicitado em notas de compra.
No Brasil, o cálculo dos impostos ao consumidor seria tarefa inglória. Somos os campeões de tributação do consumo. Existem pelo menos seis distintas incidências: IPI, ICMS, Pis, Cofins, ISS e Cide. O ICMS tem incontáveis alíquotas, decorrentes de suas 27 legislações estaduais. O sistema se complica com inúmeros regimes de tributação, isenções, incentivos, guerra fiscal e por aí afora. Não há como saber, sem o auxílio de elaboradas planilhas, quanto esse manicômio representa do valor pago pelo consumidor.
Se a explicitação dos impostos na nota viesse a ser aprovada, haveria enorme elevação dos custos de transação, derivada do aumento da complexa teia de normas e obrigações. No Brasil, as empresas gastam 2600 horas anuais para cumprir obrigações tributárias (nos países ricos, menos de 200 horas em média).
Uma alternativa seria utilizar uma estimativa dos impostos pagos, como alguns sugerem. O inferno continuaria, pois a estimativa também exigiria cálculos complexos. Seria necessário saber como a mercadoria foi tributada no estado de origem, as diferentes alíquotas interestaduais do ICMS, se a Cide incidiu menos na gasolina do que no álcool usado para transportar as mercadorias, se havia uma pequena empresa tributada pelo Simples na cadeia produtiva e assim por diante.
Everardo Maciel, um dos nossos melhores especialistas, que tem vasta experiência como administrador tributário na União e em duas unidades da federação, já se debruçou sobre a ideia e chegou às mesmas conclusões. Para ele, a medida acarretaria custos adicionais aos contribuintes, com "repercussão nula na consciência cidadã". Everardo assinala que o ICMS já é explicitado nas contas de telefone e energia elétrica, mas, explique-se sabe; ninguém tomou nenhuma atitude em relação ao ônus. Isso sem falar nos riscos de questionamento judicial da estimativa, dada a nossa enorme propensão de recorrer ao Judiciário.
A ideia é boa em tese, mas custosa e arriscada. Devem existir formas mais eficazes de mobilizar a sociedade em favor da reforma tributária.
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